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Por Ben McFarland

Minha vocação como cientista é produzir e analisar estruturas de proteínas, que são arranjos complexos de átomos. Estas estruturas são belas e complicadas. Como os átomos não têm cor, nós, cientistas de proteínas, podemos pintar as nossas estruturas da cor que quisermos. A maioria de nós, incluindo eu, escolhe cores brilhantes, ousadas, primárias, as cores dos brinquedos infantis. Em nossos modelos gerados por computador, os átomos são polidos e brilhantes, refletindo luzes virtuais como se estivessem colocados em um pequeno estúdio de fotografia.

Quando penso na vida, penso em primeiro lugar nas proteínas e nos seus átomos, empilhados e brilhantes como se fossem bugigangas na vitrine de uma loja. Esta imagem da vida é precisa em seus detalhes, mas incompleta. Assim como a foto de um antigo anuário é uma representação precisa mas incompleta de você, uma estrutura proteica é uma imagem estática de um todo muito mais dinâmico.

Esses átomos brilhantes não pertencem exclusivamente a essa estrutura proteica. Antes dos átomos de carbono estarem na proteína, eles foram trazidos para o animal como alimento. Antes disso, eles podem ter sido gás de dióxido de carbono que foram ligados em uma molécula de açúcar pela luz solar e fotossíntese. Muito, muito antes disso, os doze prótons e nêutrons que viriam a formar o átomo de carbono foram fundidos dentro de uma estrela.

Então as proteínas no meu corpo contêm átomos que são muito mais velhos do que eu. Antes de eu nascer, meus átomos não eram minha posse. Nem sequer eram minha posse no ano passado. Lynn Margulis e Dorion Sagan escreveram: “a cada cinco dias você tem um novo revestimento do estômago. Você tem um fígado novo a cada dois meses. Sua pele é substituída a cada seis semanas. Todos os anos, noventa e oito por cento dos átomos do seu corpo são substituídos.” (p. 23. What is Life?). Eu só estou pegando meus átomos emprestados, como muitos livros de uma biblioteca.

O meu metabolismo depende do fluxo de átomos que se movem pelo meu corpo. Com cada respiração e em cada refeição, os átomos fluem, mudando de açúcar (CH2O)x e oxigênio (O2) para dióxido de carbono (CO2) e água (H2O) nas minhas células, diminuindo em energia[1] para que eu possa persistir como um fluxo estável e senciente. À medida que as ligações químicas se misturam formando moléculas mais estáveis, a energia extra é capturada por moléculas ATP carreadoras de energia, que o meu corpo usa para alimentar o pensamento e o movimento.

Assim, a vida é uma cachoeira metabólica, dependente de átomos decaindo em energia, sempre em movimento e nunca o mesmo duas vezes. Essa imagem me ocorreu em um momento específico em que precisava de uma ajuda específica – e a recebi, através de uma cachoeira.

Há um ano e meio, a primeira vez que visitei Spokane, Washington, estava me hospedando para passar a noite em um hotel no centro da cidade. Enquanto mexia no meu celular, recebi uma triste notícia de uma grande perda. Fiquei abalado. Como acontece nessas horas, meu cérebro lançou memórias e pensamentos, vozes claras e sombrias, de verdade e erro, fragmentos de orações – mas nada coerente.

Eu tive que pensar sobre isso, e por isso tive que sair para uma caminhada. Sem mapa ou objetivo, entrei na noite.

Logo eu ouvi o barulho de uma cachoeira, parecendo muito grande para um parque no centro da cidade. Segui os meus ouvidos e encontrei Spokane Falls, a antiga usina de eletricidade da cidade. Enquanto estava parado, a água turbulenta e em queda combinava com meus pensamentos turbulentos.

Lembrei-me do filme do Terrence Malick, A árvore da vida, que mostra uma cachoeira veloz em seu início e fim, enquadrando sua história. Lembrei-me de como a mãe do filme orava: “Eu entrego a ti.” Eu orei o mesmo. Como escrevi no meu diário mais tarde: “Isto é seu. Sua dádiva, seu poder de receber. O seu fôlego, inspirando O2, expirando CO2.” (É verdade, eu uso fórmulas químicas no meu diário.)

Pensei em como os átomos que possuo hoje não serão meus amanhã. Pensei em como tudo o que tenho é uma dádiva de Deus, tenha eu pedido ou não. Um sentimento de dependência levou a um sentimento de gratidão.

A cachoeira me confortou porque eu me vi em sua dependência dinâmica, sua perda constante e reabastecimento constante. Há paralelos entre ela e eu porque Deus criou nós dois.

O ato de se derramar como uma cachoeira é central para o que significa ser humano e viver dependente de algo fora de mim. Quando Deus se tornou humano, ele derramou sua vida. A palavra grega para este derramamento é “kenosis”, para “o ato de esvaziar.”

Quando encontrei pela primeira vez a palavra “kenosis”, concentrei-me nela como um estado de algo vazio. Mas Tom Oord em O amor não controlador de Deus mudou o meu foco, descrevendo a kenosis como um processo, não como um estado de ser. A kenosis é o ato de esvaziar-se, o verbo para derramar-se como uma cachoeira.

Jesus na cruz literalmente derramou o seu sangue vital. Jesus derramou lágrimas orando no jardim, ao escolher fazer o que não queria. Jesus, como mestre, derramou as suas palavras, dizendo: “Eu sou a água viva.” Em cada um desses atos, ele escolheu derramar vida para nós. Na Sexta-Feira Santa ele deu tudo, e na Páscoa ele recebeu a vida novamente, maior do que antes, a qual ele continua a dar no presente.

Em pé junto à cachoeira naquela noite molhada de abril, eu me derramei para Deus em oração e percebi que não estava sozinho. O caos ordenado da cachoeira espelhou o caos ordenado da vida. Eu repousei nessa imagem.

Regressei a Spokane há algumas semanas para uma conferência, e passei novamente pela cachoeira. O contexto era diferente — era dia, ensolarado e frio — mas a cachoeira ainda estava lá, persistente e dependente. Era bela, se alegrando enquanto se derramava, recebendo conforme dava, nova todas as manhãs, mas sempre a mesma.

[1] Na química, moléculas mais estáveis são consideradas como de menor ou “baixa” energia, de modo que podemos pensar em moléculas submetidas a uma reação espontânea como tendo sua energia puxada para baixo pelas leis da termodinâmica, como bolas de boliche puxadas para baixo através de uma colina pela lei da gravidade para chegar a um patamar mais estável (mais baixo).

Ben McFarland ensina bioquímica e química na Seattle Pacific University em Seattle, EUA. Ele cresceu perto do Centro Espacial Kennedy e queria ser paleontólogo no segundo ano. Ele obteve um bacharelado duplo em Química e Escrita Técnica pela Universidade da Flórida e um doutorado em Estrutura e Design Biomolecular pela Universidade de Washington. Sua pesquisa usa as leis da química para redesenhar proteínas do sistema imunológico. Em 2013, recebeu subsídios da Evolução e fé cristã (ECF) da BioLogos para escrever A World From Dust: How the Periodic Table Shaped Life (Oxford University Press, 2016). Ele mora perto de Seattle com sua esposa Laurie e seus filhos Sam, Aidan, Brendan e Benjamin.

 

TEXTO ORIGINAL: https://www.faraday.cam.ac.uk/churches/church-resources/posts/guest-post-poured-out-like-water/

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