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por Guilherme de Carvalho 

O tempo das perguntas 

Em 2009, num encontro da equipe internacional de L’Abri Fellowship, ouvi uma conversa muito interessante entre os obreiros seniores: que nos anos 1950 e 60, o L’Abri viu aumentar o interesse dos jovens por significado da vida e, até mesmo, uma explosão de desespero e perguntas existenciais nos anos 70. Mas em 1984, Francis Schaeffer faleceu e o número de visitantes nas várias comunidades L’Abri caiu dramaticamente. A turma pensou que isso se devia à morte do fundador e pensou-se até em fechar o ministério. Mas então, para a surpresa de todos, o número de pessoas voltou a subir nos anos 90. 

Aos poucos veio a eles uma explicação: a geração revolucionária dos anos 60 e os hippies dos 70 queriam respostas às suas perguntas, mas a geração Yuppie dos anos 80 escolheu Wall Street e preferia ganhar dinheiro. Em seguida emergiu, no entanto, o movimento Grunge e as perguntas existenciais voltaram à mesa. E no princípio dos anos 2000 todos notaram uma forte psicologização do sofrimento pessoal e das buscas individuais por felicidade nos estudantes que vinham ao L’Abri. 

E assim aprendemos a reconhecer que gerações diferentes enfrentam – ou não enfrentam – as grandes questões da vida de modos diferentes

 

As perguntas de hoje 

E quanto ao presente? Não tenho dúvidas de que nos encontramos bem no meio de uma gigantesca retomada da questão do propósito da vida. A partir de L’Abri, temos visto isso claramente, com o aumento do interesse por respostas existenciais que sejam mais do que consolos psicológicos. 

Trata-se de um fenômeno geral. Temos, hoje, a improvável figura do “filósofo pop” e um enorme interesse por temas éticos e políticos. Estatísticas recentes mostram que o brasileiro médio tem mais interesse na Operação Lava-Jato e nas decisões do STF do que pela Copa do Mundo. É notória também a semelhança espiritual entre os jovens atuais das grandes cidades em todo o mundo. O advento da internet e depois das redes sociais metabolizou essa comunicação cultural, de modo que as questões ideológicas, éticas e existenciais obedecem a uma lógica globalizada. 

Dentro das igrejas isso também é evidente. A geração atual de jovens adultos, assim como a nova juventude que está emergindo, tem se mostrado sedenta de sentido e propósito – sedenta de respostas honestas. Por toda parte ouve-se questionamentos ansiosos sobre como integrar fé e trabalho, sobre o lugar da sexualidade na vida Cristã, sobre qual seria o verdadeiro Evangelho e, também, sobre como lidar com a rejeição ao Cristianismo nas universidades. As novas gerações de cristãos e não cristãos têm muitas perguntas. 

Esse grande rio de questões existenciais é alimentado por vários cursos d’água: o individualismo narcisista engendrado pela modernidade criou um tremendo problema identitário e as pessoas têm gritado com raiva e desespero, através das políticas de identidade, por alguma resposta. As paixões políticas são testemunhas disso. No mundo intelectual, o movimento “neoateísta” surgiu, como notou Alister McGrath em seu livro “O Crepúsculo do Ateísmo” (The Twilight of Atheism, sem tradução), como uma reação agressiva contra o aumento da influência global da religião. Na ciência, um crescente diálogo entre fé e ciência traz à tona os diversos sinais de propósito inscritos na estrutura do universo físico e biológico. E vários pensadores sociais, preocupados com a questão do propósito e dos fins humanos na organização da sociedade, têm se manifestado contra a hegemonia do utilitarismo moral. A busca por propósito no universo, na história, na vida moral e política e na existência individual é um dos fios condutores da consciência contemporânea. Mas o fracasso em unificar as respostas é a sua tragédia.

 

Por que a ciência importa? 

Mas qual seria exatamente o lugar da ciência nessa conversa? 

Como Francis Schaeffer colocou diversas vezes, existe apenas uma razão para ser cristão: que isso seja a verdade sobre o universo. Isso é importante, porque não é possível encontrar um sentido “pessoal” ou “individual” para a vida sem em algum momento relacionar esse sentido com o universal. Se dou a mim mesmo um propósito, arbitrariamente, apenas para me sentir bem, mas no mundo não há direção nem razão para o universo, minha vida não passa de uma fraude. E em algum momento serei existencialmente desmascarado pelo desespero. 

Por isso é tão importante buscarmos integrar as diversas partes de nossa vida mental e moral. Se Jesus Cristo é o centro do mundo temporal, se de fato todos os fios no tecido da realidade têm nele sua “amarração”, então deve ser possível contemplar essa convergência e ouvir essa ressonância. 

Precisamos disso, em primeiro lugar, para o nosso culto: se vamos adorar a Deus, por meio de Jesus, por tudo o que existe – a natureza e a história, os astros, os seres vivos, o tempo, a cultura humana, o juízo de Deus sobre os povos, o serviço da igreja Cristã nos últimos 2000 anos, e até mesmo por coisas mais próximas como os tratamentos médicos aos quais recorremos e os aviões nos quais voamos para cumprir nossas vocações, é preciso que contemplemos a glória de Cristo nessas coisas. 

Mas precisamos disso, também, para o nosso testemunho. Se o mundo é a caixa de ressonância do Evangelho, precisamos tocar a corda do Evangelho dentro dessa caixa. Precisamos mostrar que Cristo não é o escape da realidade, mas a razão de ser do mundo. Mas, para isso, precisamos apontar o propósito: “tudo foi criado por meio Dele, e para Ele” (Colossenses 1.16). 

Ocorre, no entanto, que as universidades e centros de pesquisa em todo o mundo são fábricas de interpretações da realidade. Não apenas muitos fatos, mas muitas visões desses fatos são geradas a partir do que chamamos de “Campo Científico”. E se a ressonância entre Cristo e a realidade não é mostrada também nesse ambiente, falsas respostas às perguntas existenciais irão prevalecer sem contestação. Entre elas, uma resposta falsa e terrível: a de que a vida e o universo não têm nenhum propósito. 

Por um lado, temos o Naturalismo Científico, dominante nas ciências naturais, afirmando que o universo é fruto de uma combinação de acaso e necessidade, que a moralidade, a racionalidade e os grandes valores humanos são ilusões causadas pelo processo evolucionário e que a consciência e a liberdade são fenômenos epigenéticos do cérebro humano. Por outro lado, temos o Historicismo Absoluto ou “Antirrealismo Construtivo” (nas palavras de Alvin Plantinga) nas Humanidades, afirmando que o mundo humano é um mero construto cultural, histórico, ou linguístico; e que as regras sociais, econômicas, morais, no direito, e até mesmo a psicologia humana resultam de discursos e performances padronizadas. Uns cultuam a Natureza; ou tros cultuam a liberdade. E o que se perde, em ambos, é o propósito: ou é uma ilusão da mente, ou uma invenção da mente. Mas não é real: não existe lá fora, apenas em nossas cabeças. 

Ora, para realizar publicamente o seu culto e o seu testemunho, a igreja precisa afirmar que existe propósito. Como João Batista, ela deve preparar o caminho do Senhor, demonstrando em sua vida intelectual e em sua forma de participar do Campo Científico, que existe propósito no universo. Ela mesma deve se tornar a caixa de ressonância e demonstrar, por seu engajamento com as ciências naturais, as humanidades e as artes, que sua mensagem não diz respeito a um mundo imaginário, mas ao mundo real. E para tanto, ela deve desafiar os ídolos do Naturalismo Científico e o Anti-realismo Construtivo.

 

A tarefa deste tempo

Para cumprir essa tarefa, eu creio que será preciso construir pontes entre as igrejas e o Campo Científico. É preciso que tenhamos embaixadas de sentido, para realizar a tradução mútua entre a linguagem da ciência e a linguagem do Evangelho, e para mostrar que os ídolos do Naturalismo Científico e do Antirrealismo Construtivo são, na verdade, inimigos da ciência. 

Quem deve compor essa embaixada? Pessoas das igrejas e pessoas da academia. Ministérios paraeclesiásticos não serão suficientes para isso. E pastores, como eu mesmo, não serão suficientes para isso. É necessária uma união estratégica entre pastores, professores universitários e líderes estudantis para aperfeiçoarmos a nossa comunicação com os campos acadêmicos e científicos do Brasil. 

Nesse ponto tenho algo a dizer como pastor e teólogo. É notório o desânimo na juventude contemporânea diante de igrejas e líderes que se recusam a ouvir suas perguntas e que apostam no sentimentalismo religioso. Grandes igrejas e denominações têm visto seus jovens emigrarem não apenas para o secularismo, mas também para conferências e movimentos teológicos com grande ênfase na aquisição de uma cosmovisão cristã, de um sentido de vocação mais integral, e até mesmo de um sistema teológico mais estruturado, como se vê entre os assim chamados “Novos Calvinistas”. Tudo indica que essas tendências devem se agravar nos próximos anos. 

Alguns líderes jovens, capazes de arrebanhar multidões, são céticos sobre isso. Mas os mais velhos sabem que uma massa de jovens entusiasmados pode se dissolver rapidamente no mundanismo sem discipulado e sem formação cristã. E dado o intenso desafio secularista à fé, é preciso desenvolver um discipulado mais qualificado. Um discipulado para a Era da Ciência, da Tecnologia e do Sentimentalismo Moral. 

Se pudesse enviar uma mensagem a todos os pastores e líderes cristãos brasileiros, aos acadêmicos cristãos e aos jovens envolvidos em ministérios universitários, eu diria a eles que precisamos, nesse tempo, desenvolver uma Pastoral Científica. Ou uma poimênica acadêmica”. E que o centro de uma Pastoral Científica é o reconhecimento e a proclamação de que existe propósito no universo. É a minha esperança que possamos todos – pastores, cientistas, professores universitários e estudantes – tocar juntos nossas cordas, afinados no Evangelho, e fazer ressoar o acorde da verdade na caixa desse violão de Deus, o mundo que ele fez para a sua glória

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