Por Cara Parrett

Podemos realmente ser melhores juntos? O mundo natural é movido apenas pela competição ou há espaço para cooperação entre diferentes espécies? Documentários impressionantes e informações online sobre a natureza nos familiarizaram tanto com as maravilhas da cooperação no mundo natural que provavelmente ficamos acostumados, seja com as algas zooxantelas em tecido de corais, redes fúngicas interagindo com raízes de árvores, ou polinizadores e flores. Vamos viajar de volta a um tempo antes da humanidade saber sobre essas interações.

Estamos em meados do século XIX, desiludidos com o romantismo, e a sociedade está se movendo em uma nova direção. Charles Darwin publicou seu “A Origem das espécies”, e certos seguidores estão usando isso como evidência para concluir publicamente que o mundo é de fato “vermelho nas presas e garras”.(1)

“Em nenhum lugar da natureza, não importa para onde olhemos, existe aquela paz idílica, celebrada pelos poetas; encontramos em toda parte uma luta e um esforço para aniquilar vizinhos e concorrentes.”

 – Ernst Haeckel, biólogo (1880)

A sociedade está se afastando de uma visão da natureza que revela a bondade e a benevolência de Deus para uma que enfatiza o sofrimento. Presume-se que o egoísmo esteja em toda parte, e os cientistas da época acham que a cooperação deve ser extremamente rara. Indivíduos egoístas são muito propensos a trapacear, então o sistema não pode durar. Como D. Oates (1988) refletiu, para os seguidores de Darwin o “problema do mal” tinha sido invertido – agora o mal era presumido e o “problema” era o da bondade.

Nesta cena vem a primeira descoberta do comportamento cooperativo entre diferentes espécies na natureza: o líquen! No dia 10 de setembro de 1867, o professor Schwendener fala publicamente pela primeira vez sobre sua hipótese dualista do líquen. “De acordo com a visão atual do o

rador, os líquens devem ser vistos não como plantas autônomas, mas como fungos em conexão com algas.”

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Foundation Colour por Tim Parkin. Flickr. (CC BY-NC 2.0)

Usando suas observações com um microscópio de luz, Schwendener levantou a hipótese de que o líquen não era um único organismo, mas sim um arranjo cooperativo de vida entre fungos e algas. Ninguém ainda havia reconhecido que diferentes organismos poderiam viver em estreita conexão uns com os outros, então seus colegas liquenologistas rejeitaram vigorosamente sua hipótese. Na verdade, essa rejeição durou até o final do século XIX. Convencidos de que os seres vivos eram autônomos, eles não podiam facilmente contemplar uma revisão de suas interpretações.

Apesar da rejeição de seus pares, a “hipótese dualista” de Schwendener abriu as mentes de cientistas de outros campos. Isso levou à descoberta de muitas outras parcerias entre espécies e também à investigação de microrganismos causadores de doenças em plantas, animais e humanos. Em 1875 foi cunhado o termo “mutualismo” e posteriormente, em 1877, a “simbiose” foi introduzida como um termo e conceito.

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©Ruth Bancewicz

Então, o professor Schwendener tinha razão? Sabemos agora que o líquen é de fato um arranjo de vida cooperativa entre um fungo e algas ou cianobactérias (e às vezes ambos). O fungo cria o corpo do líquen e as algas ou cianobactérias vivem no interior, fotossintetizando e compartilhando seus produtos de carboidratos com o fungo. Essa relação entre diferentes espécies resultou em uma “planta” que não se parece em nada com nenhuma das espécies cultivadas isoladamente.

Quando a água é escassa, o tecido fúngico externo do líquen torna-se opaco para proteger seus parceiros fotossintéticos do sol excessivo. Quando seca completamente, todo o líquen sobrevive ficando dormente. Quando a água retorna, o líquen incha e o tecido fúngico externo torna-se transparente novamente para deixar entrar a luz do sol. Este sistema, com a vantagem que cada parceiro dá e recebe, apoia um organismo tão robusto que é capaz de viver em todo o mundo, dos desertos ao Ártico – sobrevivendo à dessecação, irradiação e à fome.

O líquen demonstra que as espécies se saem melhor juntas do que separadas. Elas se saem tão bem que o líquen persistiu na terra por mais de 400 milhões de anos, a relação se desenvolveu de forma independente muitas vezes e existem aproximadamente 30.000 espécies de liquens vivendo hoje em uma variedade de cores e formas.

Na época em que o professor Schwendener falou sobre o líquen, os cientistas também descobriram a natureza parasitária das larvas da vespa Ichneumon. Essas larvas, que são postas e se alimentam de lagartas por dentro, tornaram-se um ícone da brutalidade da natureza. Nesse cenário cultural, o líquen e as relações de cooperação não receberam nem de perto o mesmo “tempo de atenção”, por isso levou tempo para eles serem aceitos.

A teoria darwiniana, devidamente compreendida, não deixa nenhum espaço para uma cooperação genuína? Não, é exatamente o oposto. Uma vez que o líquen foi estudado e apreciado com mais profundidade, ele abriu a ciência para um campo completamente novo e esclarecedor. Agora se reconhece que a interdependência cooperativa é uma poderosa força criativa na evolução, e tem sido parte integrante da evolução de células complexas, organismos multicelulares e estilos de vida sociais – parte de nossa própria composição como seres humanos. Espero que também possamos reconhecer as relações positivas que tornam este planeta belo, conectado e frutífero.

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Mais um pôr do sol por Sathish J. Flickr. (CC BY-NC-ND 2.0)

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Notas: 

 (1) N.T.: Uma referência clássica à violência do mundo natural, a expressão do século XIX ficou famosa pelos versos do poeta inglês Alfred Tennyson, contemporâneo de Darwin.

 

Texto original: https://wondersofthelivingworld.org/better-together-lichens-story/

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