Recentemente terminei a leitura da obra de um líder eclesiástico que dedicou uma enorme parte de seu tempo a observar a natureza ao seu redor. Suas cartas sobre a vida selvagem local foram escritas com tanto cuidado que ainda hoje, mais de duzentos anos após sua publicação, continuam sendo amplamente lidas. Eis aqui sua descrição de um fenômeno que acontece justamente nesta época do ano – a migração de outono das andorinhas.
“Eu estava viajando, bem cedo pela manhã: a princípio havia uma grande névoa; mas, a cerca de doze quilômetros de casa, em direção à costa, o sol surgiu e fez o dia ficar delicadamente quente. Estávamos então em um grande campo aberto, e à medida que a névoa começava a se dissipar, pude distinguir grande número de andorinhas (hirundines rusticae) agrupadas nos arbustos, como se ali tivessem passado a noite. Assim que o ar se tornou claro e agradável, todas alçaram voo de uma vez e, num movimento calmo e suave, seguiram em direção ao sul, rumo ao mar. Depois disso, não vi mais bandos, apenas uma ou outra desgarrada.”
The Natural History and Antiquities of Selbourne, de Gilbert White, é um dos clássicos da literatura de natureza, e de tempos em tempos também é mencionado em círculos que discutem ciência e religião, já que White era ordenado na Igreja da Inglaterra. Há até uma história apócrifa circulando online de que este seria um dos livros mais impressos no país, depois da Bíblia e de Shakespeare. White é frequentemente apresentado como grande exemplo de alguém que enxergava na história natural uma atividade nobre e digna para um pároco rural. Aqui, ciência e fé parecem em plena harmonia. O autor chega a dizer que espera inspirar seus leitores a “prestar mais atenta consideração às maravilhas da Criação”.
Eu mesma supus que o livro de White fosse daqueles clássicos frequentemente citados, mas áridos demais para serem lidos. Até que encontrei um exemplar na “sala de chá” do departamento de História e Filosofia da Ciência. Fiquei surpresa com a vivacidade e a clareza de suas descrições dos animais que estudava, de tal forma que logo incluí o livro na minha lista de desejos. Neste verão encontrei vários exemplares em um maravilhoso sebo em Inverness, e comprei o mais barato deles.[1].
O livro inteiro é composto por cartas sobre a paróquia de Selbourne, onde White era cura. Entre descrições do lugar e de sua história, ele compartilha relatos sobre a vida selvagem ao longo das estações, e as coisas que aprendia ao consultar livros e amigos naturalistas. Há uma imediaticidade em seus relatos que lhe permite incluir uma boa dose de detalhes científicos sem se tornar maçante.
“O grasshopper-lark começou sua nota sibilante nos meus campos no último sábado. Nada pode ser mais curioso do que o sussurro desse pequeno pássaro, que parece estar bem perto, embora esteja a cem metros de distância; e, mesmo junto ao ouvido, não soa mais alto do que quando está longe. Se eu não tivesse algum conhecimento sobre insetos, e soubesse que os gafanhotos ainda não haviam eclodido, dificilmente acreditaria que não era um deles sussurrando nos arbustos. O povo do campo ri quando dizemos que esse é o canto de um pássaro. É uma criaturinha muito astuta, escondendo-se na parte mais densa de um arbusto; canta a um metro de distância, contanto
que esteja bem oculto. Precisei pedir a alguém que fosse para o outro lado da cerca onde ele se escondia; então ele corria, rastejando como um rato, por uns cem metros entre os espinhos, sem nunca se deixar ver claramente. Mas, bem cedo pela manhã e sem ser perturbado, ele canta no topo de um galho, de bico aberto e tremendo as asas.”
Quantos líderes eclesiásticos hoje teriam tanto tempo para se deleitar com a natureza ao redor? Estou apenas começando a conhecer melhor a vida de White, e já existem várias biografias que certamente tratam disso em mais detalhes, mas arrisco supor que ele talvez tenha se dedicado mais à história natural do que à sua vocação. Como membro de um colégio em Oxford, era natural que tivesse recebido ordenação, mas parece ter conseguido uma paróquia em Northamptonshire ligada ao colégio sem nunca chegar a residir lá. Selbourne parece ter sido mais um retiro campestre para um cavalheiro que preferia uma vida de lazer.
Portanto, talvez seja generoso demais chamá-lo de “líder eclesiástico”. Ele também parece ter ignorado a maior parte dos trabalhos científicos de sua época, preferindo usar seu enorme talento de observação e registro para relatar o que via em sua pequena porção da zona rural inglesa, que passou a conhecer intimamente. Ainda assim, acredito que qualquer ministro ou membro da igreja pode aprender muito com sua apreciação pela criação. Se todos nós dedicássemos vinte minutos por semana para observar atentamente um arbusto, uma lagoa ou uma árvore, experimentando a vida selvagem em primeira mão, quanto isso poderia inspirar nosso louvor e nossa ação no mundo?
O livro de White pode ser baixado gratuitamente em: http://www.gutenberg.org/ebooks/1408.
[1] Uma edição de 1901, desincorporada da biblioteca da minha própria Universidade de Aberdeen, que comprei por apenas £9.
Ruth Bancewicz is a Senior Research Associate at The Faraday Institute for Science and Religion, where she works on the positive interaction between science and faith. After studying Genetics at Aberdeen University, she completed a PhD at Edinburgh University. She spent two years as a part-time postdoctoral researcher at the Wellcome Trust Centre for Cell Biology at Edinburgh University, while also working as the Development Officer for Christians in Science. Ruth arrived at The Faraday Institute in 2006, and is currently a trustee of Christians in Science.
TEXTO ORIGINAL: https://www.faraday.cam.ac.uk/churches/church-resources/posts/natural-history-calling-or-distraction-2/
Projeto: The Wonders of The Living World
The Faraday Institute