Estreitando a lacuna entre os cérebros biológicos e os eletrônicos*
Uma vez que ninguém realmente sabe como funciona o cérebro, seus pesquisadores muitas vezes recorrem ao uso de analogias. Uma dos mais comuns é que o cérebro é uma espécie de versão esponjosa, imprecisa, biológica de um computador digital. Mas analogias tendem a funcionar nos dois sentidos, e cientistas da computação também têm uma longa história de tentar melhorar as suas criações computacionais se inspirando nas ideias da biologia. O ramo moderno da ciência conhecido como “aprendizagem profunda” aliado com o rápido desenvolvimento da inteligência artificial, por exemplo, é muito inspirado no modo de funcionamento dos cérebros biológicos.
A ideia geral de construção de computadores para se assemelhar ao cérebro é chamado de computação neuromórfica, um termo cunhado por Carver Mead, um pioneiro cientista da computação do final dos anos 1980. Há muitas atrações. Cérebros podem ser lentos e propensos a erros, mas eles também são robustos, adaptáveis e sóbrios. Eles superam no processamento de dados incertos e com ruídos que são comuns no mundo real, mas que tendem a dar dor de cabeça aos computadores eletrônicos convencionais. O mais recente desenvolvimento nesta área veio no último 03 de agosto, quando um grupo de pesquisadores liderado por Evangelos Eleftheriou, no laboratório de pesquisa da IBM, em Zurique, anunciou, em um artigo publicado na revista Nature Nanotechnology, que tinham construído uma versão artificial, funcional de um neurônio.
Os neurônios são as células finas, altamente interligadas que fazem a maior parte do trabalho pesado em cérebros reais. A ideia de fazer versões artificiais deles não é nova. O próprio Dr. Mead vem experimentando o uso de transistors, pequenos interruptores eletrônicos que formam a base dos computadores, para imitar alguns dos seus comportamentos. Nos dias atuais, entretanto, os tipos de neurônios artificiais que fazem desde anunciar propagandas na web até reconhecer rostos no Facebook são, na sua maioria, simulados em software, com código subjacente em execução no silício comum. Isso funciona, mas como qualquer cientista da computação irá dizer, criar uma versão de imitação (ersatz version) de algo em software é inevitavelmente menos preciso e computacionalmente mais caro do que simplesmente fazer o uso da coisa em si.
Ouvindo o barulho, vendo o sinal
Os neurônios são dispositivos de reconhecimento de padrões. Um neurônio individual pode ser conectado a dezenas ou centenas de outros e podem transmitir sinais elétricos em várias direções. Se ele recebe um número satisfatório de sinais suficientemente fortes de seus pares ao longo de um período suficientemente curto de tempo, ele vai “acender-se”, enviando um choque de eletricidade para os outros neurônios conectados a ele, possivelmente levando-os a “acenderem-se” também. Se os sinais de entrada são muito fracos, ou muito pouco frequentes, ele permanecerá em repouso.
A invenção do Dr. Eleftheriou consiste de uma pequena bolha de Germanium antimony telluride (GST) ligada a dois eletrodos. O GST é um material composto por uma estrutura física que se altera quando a eletricidade passa por ele. Este arranjo imita neurônios reais. Os neurônios são imprevisíveis. Flutuações dentro da célula significam que uma dada entrada nem sempre produzirá a mesma saída. Para um engenheiro eletrônico isso é posto em causa. Mas, diz Tomas Tuma, o principal autor do paper, a natureza faz uso inteligente desta aleatoriedade para deixar grupos de neurônios realizar coisas que eles não poderiam se fossem perfeitamente previsíveis. Eles podem, por exemplo, conseguir sair de uma armadilha matemática chamada de um “mínimo local” onde algoritmos de um computador digital podem ficar presos. Neurônios de software devem ter a sua aleatoriedade injetada artificialmente. Mas uma vez que os detalhes precisos do contorno do processo de cristalização em neurónios ersatz da IBM difere de ciclo para ciclo, o seu comportamento é necessariamente ligeiramente imprevisível.
A equipe ordenou os neurônios eletrônicos em seus ritmos. Um único neurônio artificial, ligado às entradas apropriadas, foi capaz, de forma confiável, de identificar padrões em dados de teste, mesmo com aplicação de ruídos. Dr Tuma está confiante de que, com técnicas modernas de fabricação de chips, os neurônios possam ser feitos muito menores do que a quantidade equivalente dos convencionais circuitos – e que possam gastar muito menos energia.
O próximo passo, diz o Dr. Eleftheriou, é a experiência de ligar esses neurônios em redes. Pequenas versões destas redes poderiam ser ligadas a sensores e ajustadas para detectar qualquer coisa desde as temperaturas incomuns em uma máquina de fábrica, até preocupar-se com ritmos elétricos no coração de um paciente e com tipos específicos de comércio nos mercados financeiros. Versões maiores poderiam ser acopladas em chips de computador padrão, oferecendo um rápido coprocessador desenhado para desempenhar tarefas padrão – como de reconhecimento de voz ou de reconhecimento facial – agora realizada por software mais lento, menos eficiente em execução no circuito padrão. Faça isso e a lacuna conceitual entre cérebros artificiais e reais vai encolher um pouco mais.
(traduzido por Áquila Mazzinghy)
*Reportagem original: The Economist
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