Introdução por Ted Davis
Tradução: Ana Elisa


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Na semana passada, o historiador Stephen Snobelen, criticou algumas formas das quais Novos Ateístas tendem a simplificar realidades complexas na tentativa de “explicá-las” apenas em termos de causas materiais. Tal atitude é intimamente ligada com “essencialismo”, a ideia que há uma “essência de ambos, ciência ou religião, que detém a verdade através do tempo e culturas”, de onde os Novos Ateístas construíram sua versão das “Conflict Thesis”. Como dito por Snobelen, “Esse tipo de essencialismo é particularmente discordante aos historiadores”. Ele explica a razão após a próxima leitura.


Novos Ateístas e Essencialismo

Por Stephen Snobelen

Não é difícil achar exemplos do essencialismo no mundo do Novo Ateísmo. Por exemplo, Novos Ateístas tem uma propensão de criar dicotomias opositoras: ciência vs. Religião, superstição vs. Razão, ou fé vs. fato (pegando emprestado o título do recente livro de Jerry Coyne). Igualmente tendencioso, a fórmula “ciência = ateísmo” é amplamente aceita, até assumida, por autores Novo Ateístas e muitos dos seus leitores, apesar do fato que virtualmente todos os historiadores entendem que ciência não vem acompanhado de nenhuma visão metafísica particular anexada a base como um ‘apêndice’ necessário.

Para os Novos Ateístas, o mundo da ciência e religião é branco e preto. Eles tendem a falar sobre “A Igreja” e o “Cristianismo” como se fossem fixos, entidades homogêneas, enquanto eles permitem a “ciência” a mudar e modernizar ao longo do tempo. Isso faz com que seja muito fácil para eles dizer que ciência, onde suas visões são inteiramente atualizadas, conflitem necessariamente com a religião, uma visão inutilmente presa no passado. Ainda, até na Idade Média, a Igreja Católica era dificilmente monolítica. Por exemplo, é incluído diversas ordens religiosas, como os Agostinianos, Dominicanos, Franciscanos, e o movimento profético inspirado por Joachim de Fiore. Muitos dos principais intelectuais dessa época eram membros devotos dessas ordens, e debatiam regularmente as ideias um do outro com rigor, algumas vezes desenvolvendo inteiramente novos e importantes conceitos que ainda aceitamos e usamos atualmente.

Um problema relacionado é que os Novos Ateístas, muitas vezes, exibem um particularismo tendencioso: cientistas são elucidados e tal iluminação é levada como algo bom, enquanto pessoas religiosas não possuem o mesmo tratamento. A famosa frase de Carl Sagan, “uma vela na escuridão”, que ilumina o caminho para longe da religião capturou essa atitude perfeitamente, mas nós já tínhamos visto como essa chama não consegue se sustentar em uma atmosfera genuinamente histórica. (As palavras de Sagan foram traçadas em um cartoon antirreligioso por Don Wright, no Palm Beach Post). Infelizmente, para essa atitude Novo Ateísta, o centro excluído dos cientistas religiosos (dos quais há dezenas de milhares contando somente no Estados Unidos) as questões se complicam fatalmente.

Memes, Máquinas Voadoras e a Propaganda Novo Ateísta

Parte da genialidade dos Novos Ateístas é que, como qualquer boa propaganda, eles reconhecem o poder do meme, slogan, e frase de impacto. Desta forma, é apropriado dizer que Dawkins cunhou o “meme”. Mas, aqui está o que provavelmente é o jargão mais prolífico do Novo Ateísmo: “A Ciência te leva a lua. A religião te leva aos arranha-céus”. Conforme os memes vem à tona frequentemente na internet como um resto eletrônico, esse é muitas vezes desassociado de sua fonte ou, ocasionalmente, até atribuída incorretamente a Richard Dawkins, cuja própria visão é, na verdade, mais diferenciada (veja a nota abaixo). Nesse caso, a frase de impacto parece derivar de um livro escrito por Victor Stenger (veja p. 59), que mais tarde o usou como um epigrama contrário ao frontispício de outro livro. Além da proliferação online, tem sido estampada em camisas e adesivos de para-choques. Jargões, por definição, possuem ausência de detalhes, mas este foi criado para ter falta de subtileza. Sua força ilocucionária origina da ideia que a ciência seria uniformemente progressiva, enquanto a religião é uniformemente primitiva e má. Não importa se a ciência não pode ser definida solenemente pelas missões Apollo, ou que a religião motivada politicamente para atos terroristas são rejeitados pela vasta maioridade dos correligionários.

O slogan do Stenger enfatiza a avançada tecnologia que tornou missões na lua algo possível, mas o contraste afiado que ele cria entre a religião e a ciência espacial é altamente enganadora. De acordo com o historiador de tecnologia, David F. Noble (citado abaixo), não somente haviam muitos astronautas cristãos, mas também um grande número de cientistas da NASA, engenheiros e administradores. Ele nota que religiosos, especialmente cristãos, cultura e prática eram generalizadas na NASA – e alguns motivados por ideais cristãos. Muitos cientistas de foguetes eram religiosos. Incluindo Hugh Dryden, o primeiro chefe operacional da NASA e pastor metodista; o administrador da NASA, James Fletcher (um mórmon); e William R. Lucas, que desempenhou um papel na criação da reentrada do escudo térmico e se tornou diretor do Marshall Space Flight Center (Centro de Voo Espacial Marshall) em 1970. O exemplo mais proeminente é Werner Von Braun, o arquiteto chefe das missões Apollo, que tornou evangélico depois sair da Alemanha na Segunda Guerra Mundial e chegar nos Estados Unidos. A ideia que a ciência secular – contrária a “religião” – levou homens até a lua é retórica, senão histórica.

Um slogan similar é retratado na imagem no topo dessa coluna: “Religião nos deu a Idade das Trevas. Ciência nos deu a Era do Espaço”. Aumentando o efeito, o texto branco foi estampado no céu escurecido sobre a lua, uma alusão ao mito da lacuna medieval e associado a declaração que o Cristianismo causou o declínio da ciência no final do mundo antigo. Mais uma vez, a distinção radical entre religião e ciência deixa de lado as complexidades da realidade – e provavelmente uma ironia não intencional dessa mesma imagem: o cenário é a famosa fotografia “Terra em Ascensão”, tirada pelo astronauta William Anders, na véspera de Natal na missão lunar Apollo 8. Foi a primeira vez que humanos tinham orbitado a lua e visto a terra de tão longe. Juntamente com Frank Borman e James Lovell, Anders leu os versos iniciais de Gêneses durante a famosa orbitagem, enquanto Borman (um ancião em sua igreja) tinha previamente proferido uma prece cristã. Muitos outros astronautas eram firmemente religiosos – incluindo John Glenn, o primeiro americano a orbitar a terra, Buzz Aldrin, a segunda pessoa a pisar na lua, Jeffrey Williams, que atualmente possui o recorde americano de maior tempo no espaço, e Leslie Wickman, a primeira mulher a ser diretora executiva do American Scientific Affiliation (Afiliação Científica Americana). (Dr. Wickman por muito pouco perdeu a oportunidade de ir em uma missão espacial). O aforismo ilusório da camisa perdeu a verdade inconvenientemente por anos luz.

Duvido que os Novos Ateístas gostariam do slogan alternativo a seguir: “A ciência mata milhões. A religião cuida dos doentes”. Não foram as guerras industriais do século 20 que tornaram possíveis devido a ciência moderna e a tecnologia? Não foram organizações religiosas e seguidores religiosos que fundaram e apoiaram um grande número de hospitais? Embora a resposta de ambas as questões seja sim, nenhuma das afirmações captura a totalidade da ciência e da religião.

O Problema do “Essencialismo”

Previamente em uma coluna, expliquei que historiadores rejeitam a visão generalizada que “ciência” e “religião” são entidades fixas que podem ser facilmente entendidas em termos de uma relação constante através dos tempos e culturas. É uma forma de essencialismo. As “Harmony Thesis” – a ideia que ciência e religião são sempre inatamente harmoniosas – é um tipo popular de essencialismo que cristãos são especialmente propensos. Por outro lado, a posição negligente dos Novos ateístas é a “Conflict Thesis”, outra forma de essencialismo.

É quase impossível apontar alguma essência pura de ambas, ciência ou religião, que contém a verdade através dos tempos e culturas, deixando de lado uma relação particular entre elas. Esse tipo de essencialismo é particularmente irritante para os historiadores. John Hedley Brooke, a primeira pessoa apontada Andreas Idreos Professor de Ciência e Religião em Oxford, disse assim: “Não existe nada como a relação entre ciência e religião. É o que diferentes indivíduos e comunidades têm feito disso em uma infinidade de diferentes contextos” (Ciência e Religião: Perspectivas Históricas, p. 321, italics his)

A crítica de Brooke foi levada além por Peter Harrison, nomeado a mesma cátedra após a aposentadoria de Brooke (embora ele tenha retornada a sua nativa Austrália). Em seu livro recente, “The Territories of Science and Religion”, Os Territórios da Ciência e Religião (2015), Harrison mostra a si mesmo como um historiador em sua retirada do anacronismo, demonstrando que qualquer concepção de “ciência” e “religião” como “espécies naturais” imutáveis colide com a confusão das realidades históricas. Harrison implementa uma metáfora territorial, falando de “ciência” e “religião” como territórios cujo caráteres e limites não permanecem constantes. Harrison demonstra que não há nada correspondendo as nossas noções taxonômicas modernas de ciência e religião no mundo anciente e por muitos séculos depois disso.

Simplificando, como Harrison mostra, não havia “ciência” e nenhuma “religião”, vindo a conflitar uma com a outra. Qualquer noção que havia “cientistas” seculares na Grécia Antiga – uma ideia popular entre os Novos Ateístas – fundadores no fato que muito da filosofia sobre a natureza e o cosmos no período Clássico foi longe de materialista. O filósofo pré-socrático, Thales, declarou que “Todas as coisas estão cheias dos deuses” (p. 24). Anaxágoras acreditava “que o universo como um todo era controlado por um princípio de causa divino (nous – mente ou intelecto) ”, uma crença que influenciou “Platão, Aristóteles, os Estoicos, e os Neoplatônicos”, e baseado “muito das subsequentes antigas crenças gregas na inerente racionalidade do mundo natural”. Sucessivamente, “em várias outras maneiras filósofos pré-socráticos postularam princípios similares – O “Apeiron” de Anaximandro [o ilimitado], Logos de Heráclito, “Deus Único” de Xenófanes – que implica um ordenado, ainda que divino, cosmos” (p.25).

Resumidamente, no mundo antigo não havia ciência no sentido moderno, mas sim (com algumas exceções como o materialismo Epicuriano) temos a filosofia em fusão com ideias do divino e motivadas por objetivos de aprimoramento moral do filósofo. Moderna, a ciência profissional não veio a ser até o começo do século dezenove. O termo “cientista” não foi inventado até os anos de 1830. Mesmo que não seja adequado conversar sobre ciência no mundo antigo, exceto um tipo de estenografia que requer qualificação. Aristóteles era um filósofo, não um cientista. Isaac Newton era um filósofo natural, apesar de ter ajudado a fundar a ciência moderna. Historiadores não impõe categorias no passado. Mais propriamente, levantamos a questão, quais eram as categorias no passado?

Notas do Ted: O livro escrito pela cientista escocesa Mary Somerville, “The Connection of the Physical Sciences”, A Conexão das Ciências Físicas (1834), levou o primeiro uso da palavra “cientista”. De acordo com Sydney Ross (citado abaixo), de uma revisão em seu livro publicado em março de 1834 pelo polímata de Cambridge, William Whewell, que aparentemente primeiro usou a palavra verbalmente em um encontro cientifico naquele ano. Mencionando que “a tendência das ciências há muito têm sido um aumento propenso da separação e desmembração” (em outras palavras, especialização), Whewell lamentou “o desejo de qualquer nome em que nós podemos designar os estudantes do conhecimento do mundo material coletivamente”. Buscando um “termo geral em que esses cavalheiros poderiam descrever a si mesmos com referências aos seus objetivos”, ele “propôs que, por analogia ao artista, eles talvez formem cientistas”, somando jocosamente, “que não poderia haver nenhum escrúpulo em tornar livre essa terminação quando temos palavras como charlatão, economista e ateísta”. A ironia que o termo implicitamente referia unicamente aos “cavalheiros” apareceu em conexão com um livro escrito por uma mulher passou despercebida por Whewell. Fotografia da Edição Americana de 1854 por Edward B. Davis.

De fato, muitos modelos têm sido propostos a “relação” entre ciência e religião. O fundador do campo acadêmico da ciência e religião, Ian Barbour, identificou quatro modelos: conflito, independência, dialogo e integração. Stephen Jay Gould popularizou o NOMA (Magistérios não-interferentes), aproximadamente um modelo de Galileu atualizado em manter teologia e astronomia em grande parte separados, um modelo que em troca, tem raízes no pensamento de Agostinho, que enfatizou que a Bíblia era para coisas espirituais, não um livro de física (usando uma expressão moderna). Alguns desses modelos são prescritivos – Gould certamente pretendeu ser, uma vez que queria manter os Criacionistas longe de influenciar o ensino cientifico no sistema educacional dos Estados Unidos. Modelos descritivos trabalham melhor para historiadores. Dessa forma, quando ensinando ciência e religião, sugiro o que chamo de “SOMA” (Magistério Semi-Interferente). Na história, ciência e religião algumas vezes interagiram e algumas vezes foram independentes. O mesmo é verdade agora. O ponto é que há muito modelos possíveis (e como modelos, são somente aproximações), mas a que melhor descreve os exemplos históricos e contemporâneos da “Complexity Thesis”. Desde que melhor serve sua agenda, ninguém deveria se surpreender com o que os novos Ateístas escolheram para promover a forma de essencialismo conhecida como “Conflict Thesis”.


Nota em Richard Dawkins: Dawkins aparenta ter uma posição mais diferenciada que Victor Stenger em pessoas religiosas direcionando aviões em construções. Em 2010, ele disse: “Não há cristãos, que eu saiba, explodindo prédios. Eu não estou a par de nenhum cristão homem-bomba. Eu não estou a par de nenhuma grande denominação cristã que acredita que a penalidade para apostatação é a morte. Eu tenho sentimentos misturados sobre o declínio do cristianismo, até agora, o cristianismo talvez tenha sido um apoio contra algo pior” (citado por Ruth Gledhill, “Scandal and schism leave Christians praying for a ‘new Reformation’”, Escândalo e cisma levam cristãos orando por uma ‘nova Reforma’, também publicado no “The Times”.

 

 

 

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