Por Bruno Ribeiro Nascimento*
Recentemente a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²) publicou um livro maravilhoso chamado “Capitalismo e Progresso” (1), do economista e filósofo holandês Bob Goudzwaard.
Na obra, Goudzwaard procura fazer um diagnóstico da sociedade ocidental, analisando aquele que é o grande ídolo do nosso tempo: a busca pelo progresso. Independente das pessoas serem liberais ou socialistas, conservadoras ou nacionalistas, reacionárias ou anarquistas, de esquerda ou de direita, todas elas, de alguma forma, possuem uma confiança de que o amanhã será melhor que o hoje. Esse é o grande credo da sociedade contemporânea e aquilo que, para nós ocidentais, permite com que a economia siga confiante rumo ao futuro.
A ideia do progresso se baseia na noção de que, ao fazermos os investimentos de recursos corretos, as coisas irão melhorar. Esse crescimento é baseado na esperança de bens imaginários, isto é, bens que não existem no presente, mas que almejamos alcançar logo mais na frente. Como aponta Goudzwaard, essa esperança é típica do otimismo da modernidade; até a idade média, haviam várias “barreiras” que impediam que as pessoas fossem tão otimistas com relação ao futuro (e.g., a de que a vida natural não possui valor em si ou de que o futuro já está determinado para os homens); essas barreiras foram lentamente derrubadas. Aliado a isso, o Ocidente conectou esse credo com um componente central da estrutura de nossa sociedade: o capitalismo.
O capitalismo não é apenas uma teoria de como a economia funciona, mas um bem supremo que garante justiça, liberdade e felicidade para nós. Pense em como os pais encaminham seus filhos não para profissões que estão em harmonia com suas vocações naturais (e.g., músico), mas para profissões que “deem dinheiro”, ou para que sejam “bem de vida” (e.g., medicina).
Assim, a fé no progresso, aliado ao capitalismo, se tornou para o ocidental uma poderosa visão de mundo que permeia tudo que as pessoas sentem, pensam e fazem. Para que sejamos felizes, é necessário que sejamos prósperos, o que implica em um crescimento exponencial da economia e que, por sua vez, é estimulada pelo “progresso”.
Mas esse atual estado de coisas traz um problema: ao assumir a soberania sobre nossas vidas, a fé no progresso subordina o homem a uma prisão difícil de sair. “Em vez de ser o criador do progresso”, lembra Goudzwaard, “o homem está cada vez mais tornando-se servo dele”. O credo soberano do progresso fragiliza o meio ambiente, pois em nome de sua expansão implacável justifica-se sacrificar tudo – inclusive nosso planeta; fragiliza-se o próprio sistema econômico, pois a necessidade de “melhorar padrões de vida” traz problemas sérios para nós mesmos, como a incapacidade da economia de assegurar trabalhos para todos; e sacrifica o próprio ser humano, pois faz dele um escravo que deve trabalhar incansavelmente para “manter o sistema”, cada vez mais sem tempo, em uma sociedade mais preocupada com bens materiais que com outras pessoas a ponto de objetificar o homem moderno. Assim, nosso atual estado de coisas põe em cheque nossa real vocação: a de sermos mordomos deste cambaleado planeta.
Goudzwaard afirma que uma das várias soluções contra o ídolo do progresso é o retorno ao conceito clássico de economia, oikonomia, isto é, a forma como o mordomo deveria administrar a propriedade que lhe era confiada. As empresas, o trabalho e todo o sistema econômico deveriam estar menos voltados para o autoenriquecimento e mais preocupados em ser organizações verdadeiramente econômicas dentro de um sistema capitalista, isto é, instituições de mordomia dentro do próprio mercado. Essa é a norma fundamental pela qual a esfera da economia deve ser julgada.
Lembro do livro de Goudzwaard toda vez que escuto ou vejo alguém falando sobre o problema que o coronavírus trará para o mundo: desaceleração do crescimento econômico e que isso acarreta em um desarranjo significativo na nossa ordem social e na economia, ou seja, a economia do mundo não vai crescer de forma exponencial como vinha crescendo antes. Quando se fala isso, é possível perceber que a fé no progresso não consiste em mera crença neutra sobre a realidade; mas em algo mais profundo, algo que diz respeito à raiz religiosa da questão. A fé no progresso penetrou tão profundamente na nossa visão de mundo que simplesmente nos desesperamos caso seu triunfo não seja atingido. É como se a coisa na qual depositamos toda nossa confiança estivesse agora se voltando contra nós para nos devorar, talvez como uma espécie de “castigo divino”.
A fé no progresso é algo tão fundamental que várias pessoas afirmam que “não deveríamos parar”, ainda que isso sacrifique várias pessoas no altar desse falso ídolo. O credo do progresso é colocado em nossa sociedade como um “padrão último”, absoluto, e que não deve se adequar à sociedade contemporânea, mas a sociedade é que precisa se adequar a ele. Nossa resistência a “parar” com medo do que pode acontecer com a economia é um sinal muito claro da profundidade que esse deus se encontra em nossos corações…
Contudo, apesar de aparentemente poderoso e certamente ameaçador, o progresso é um falso deus, fruto das mãos humanas. Ele é um ídolo que parece ter a cabeça (2) de ouro, os braços de bronze e as pernas de ferro, mas certamente seus pés são de barro, frágil e passageiro, assim como frágeis e passageiros são os empreendimentos humanos.
Por isso, quando o significado central da vida e da sociedade está tão em jogo, deveríamos, mais do que nunca, voltar nosso coração para o Pai nosso que está nos céus, aquele que sabe de todas as coisas que – verdadeiramente – precisamos. Se Deus veste belamente a flor que hoje existe e amanhã é queimada no forno, não vestirá a nós também, pessoas de pequena fé? (3)
(1) GOUDZWAARD, Bob. Capitalismo e Progresso – Um diagnóstico da sociedade ocidental. Ultimato – Cristãos na Ciência, 2019.
(2) Daniel 2.33
(3) Mateus 6.30
*Bruno é doutorando em filosofia (UFRN) e Professor de Filosofia na Faculdade Internacional Cidade Viva, além de líder do Grupo de Estudos da ABC² em João Pessoa/PB.
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