BEAUTY OF CELLS 01 - Associação Brasileira de Cristãos na Ciência: ABC²

Sou uma ex-bióloga celular. Durante meu doutorado, parecia que as células estavam presentes em todos os aspectos da minha vida. Eu as cultivava, estudava, lia sobre elas, centrifugava, observava ao microscópio e até as visitava às 2h da manhã para coletar pontos de tempo em experimentos particularmente exaustivos. Quando falava com meus parentes, a pergunta “Como você está?” muitas vezes era seguida de: “E como estão se comportando suas células?”. Uma vez, ao ver a manchete de jornal “Homem preso em cela por três dias”, meu primeiro pensamento foi: “Mas como conseguiram enfiar um homem dentro de uma célula?”.

Como bióloga celular, eu realizava experimentos em células, ou em partes delas. Para isso, precisava cultivar milhões de células vivas. E todo esse processo (também chamado de cultura celular) sempre me fascinou.

O laboratório onde eu cultivava minhas células era de nível de contenção 2, com normas de segurança bem mais rígidas que as de um laboratório comum. A porta externa tinha fechadura com teclado numérico, cujo código só era conhecido pelos usuários. Usávamos jalecos azuis que permaneciam no laboratório, e os procedimentos aconteciam em cabines especiais de segurança, com fluxo de ar e vidro protetor. Aprendi da maneira mais dura que, se você chega ao pronto-socorro dizendo que sofreu um acidente com agulha em um laboratório CL2, vai direto para o início da fila.

As células com as quais trabalhava chamavam-se SW480. Elas podiam ser armazenadas em congeladores a –150 °C por anos, até que eu decidisse “trazê-las de volta” ao laboratório, como se fosse acordá-las de um sono longo e gelado. Uma vez nas condições adequadas, dentro do frasco, começavam a crescer e se multiplicar, prontas para meus experimentos. Eu também podia prepará-las para serem congeladas novamente, garantindo estoque para o futuro (ou para quando eu quisesse sair de férias). Sempre achei impressionante que células vivas não apenas sobrevivessem a temperaturas tão baixas, mas também readaptassem sua vida normal a 37 °C.

As SW480 são belíssimas – variam em formas e tamanhos. Algumas, em certo momento, estão arredondadas como pequenas bolinhas; outras, achatadas na base do frasco. Algumas se agrupam em pequenos conjuntos, enquanto outras se afastam, migram, se dividem ou até morrem.

Você pode ver essas células em toda a sua glória neste vídeo de um “ensaio de ferida por arranhão” (scratch wound assay). Eu as cultivava até cobrirem toda a superfície do frasco, depois riscava uma linha no meio e observava enquanto migravam de volta para preencher o espaço. Eu poderia assistir a esse vídeo por horas – é possível ver as células se movendo, mudando de forma e se dividindo.

Cada uma dessas células é incrivelmente complexa. Dentro de uma única célula, milhares de processos diferentes acontecem simultaneamente – moléculas trabalham juntas para transformar o código genético em proteínas; proteínas transportam outras moléculas para dentro, para fora e ao redor da célula; e minúsculos compartimentos chamados mitocôndrias produzem energia. Até mesmo morrer é complicado para uma célula, e estudei alguns dos muitos processos que levam à sua destruição. O corpo humano tem mais de 30 trilhões de células: crescendo, se dividindo e morrendo ao mesmo tempo.

BEAUTY OF CELLS 02 - Associação Brasileira de Cristãos na Ciência: ABC²O fato de tantas moléculas minúsculas se unirem de formas tão intrincadas para formar seres humanos vai além da minha compreensão. A pura beleza das células fortalece minha fé em um Deus criador, que fez um mundo extraordinário; um Deus que cria de forma abundante e generosa. Creio que Deus usa processos científicos como a evolução em sua criação – e, para mim, um Criador capaz de criar coisas que criam a si mesmas é simplesmente maravilhoso.

Mas as células SW480 não são normais: são células de câncer de cólon, originalmente retiradas de um tumor na década de 1970. Como posso considerar células cancerígenas belas? Para mim, essas células são belas apesar de serem cancerosas. Afinal, todo câncer se origina de células “normais” do corpo, e a beleza que vejo nelas é a mesma que vejo em qualquer célula.

Como cientista, no dia a dia do laboratório, era fácil esquecer que “minhas” células vinham de um câncer. Elas se tornaram quase como animais de estimação, que eu precisava manter felizes, bem alimentados e limpos. Mas também carregava um forte senso de responsabilidade: trabalhar com o máximo de dedicação, em respeito à pessoa de quem o tumor havia sido retirado.

Ainda hoje sinto maravilhamento ao olhar fotos das “minhas” células. Sinto-me honrada por ter podido estudá-las em detalhes, observá-las crescer, migrar e se dividir. Sinto-me privilegiada por ter visto coisas que nenhum outro ser humano havia visto antes – e por ter aprendido mais sobre o mundo de Deus através dessas belas células.

 

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Dra. Clare Foster é médica residente em Saúde Pública, atualmente atuando no Conselho Municipal de Barnsley. Iniciou sua carreira como cientista de laboratório, pesquisando genômica e proteômica de células cancerígenas em seu doutorado na Universidade de Durham. Depois, migrou para a pesquisa clínica em Cambridge, concluiu um MPhil em Saúde Pública e recebeu a bolsa CLAHRC Research Fellowship. Durante a graduação, fundou um grupo estudantil da Christians in Science (CiS) e esteve envolvida por muitos anos com o trabalho da CiS como representante no comitê nacional.

TEXTO ORIGINAL: https://www.faraday.cam.ac.uk/churches/church-resources/posts/guest-post-the-incredible-beauty-of-cells/

Projeto: The Wonders of The Living World
The Faraday Institute

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