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A oposição ciência-versus-religião é um obstáculo ao pensamento. Cada uma é um dom, em vez de uma ameaça, para a outra

Para resumir as linhas que abrem o livro de Steven Shapin, The Scientific Revolution (1996), não há um conflito entre ciência e religião, e o presente ensaio é sobre isso. Não se trata, no entanto, de mais uma refutação da “narrativa de conflito” – já há uma abundância de bons escritos recentes nessa linha, de historiadores, sociólogos e filósofos, bem como os próprios cientistas. Os leitores que ainda estão sob o equívoco de que a história da ciência pode ser caracterizada de maneira precisa como uma luta contínua para escapar dos grilhões da opressão religiosa para uma ensolarada terra secular de livre pensamento (expresso em voz alta por alguns cientistas, mas por nenhum historiador) podem consultar o livro magistral de Peter Harrison, Os territórios da Ciência e da Religião (2017, Ultimato), ou mergulhar no belíssimo volume editado por Ronald Numbers, Terra plana, Galileu na prisão e outros mitos sobre Ciência e Religião (2020, Thomas Nelson Brasil).

Da mesma forma, suposições de que as metodologias teológicas e científicas e as alegações de verdade estejam necessariamente em conflito filosófico ou racional podem ser desafiadas pelo livro The Territories of Human Reason (2019) de Alister Mcgrath, ou pelo livro editado por  Andrew Torrance e Thomas McCall, Knowing Creation (2018). A origem, ao final da era vitoriana, da “história alternativa” do conflito inevitável é fascinante por si só, mas também prejudicial, na medida em que se multiplicou muito em discursos públicos e educacionais no século XX, tanto em comunidades seculares quanto religiosas. Este é o tema de um novo estudo fascinante do historiador James Ungureanu, Science, Religion, and the Protestant Tradition (2019). Por fim, a suposição concomitante de que os cientistas devem, por força lógica, adotar cosmovisões de mundo não teístas é fortemente refutada pelas ciências sociais globais recentes, como na grande pesquisa de Elaine Ecklund, também publicada em um novo livroSecularity and Science (2019).

Tudo bem até aqui – então a história, a filosofia e a sociologia da ciência e da religião são mais ricas e interessantes do que os contos da mídia e as histórias de conflito do ensino médio em que todos fomos criados. Parece um bom momento, então, para fazer perguntas do tipo “e daí?”, especialmente porque tem havido menos trabalho nesse sentido. Se, por exemplo, as teologias islâmicas, judaicas e cristãs foram comprovadamente centrais na construção de nossas atuais metodologias científicas, por exemplo, então em que implicaria tal reavaliação para o desenvolvimento frutífero do papel que a ciência desempenha em nosso mundo moderno? De que forma as comunidades religiosas poderiam apoiar a ciência, especialmente sob a sombra de uma ordem política de “pós-verdade”? Que implicações e recursos uma reformulação do pensamento sobre ciência e religião poderia oferecer para a angustiada discussão sobre ciência-educação em ambos os lados do Atlântico, e para as discussões internacionais emergentes sobre “alfabetização científica”?

Gostaria de explorar aqui as direções em que poderíamos conduzir essas perguntas decorrentes. Três perspectivas irão sugerir linhas de novos recursos para o pensamento: as ferramentas críticas oferecidas pela própria disciplina de teologia (mesmo em um contexto inteiramente secular), uma reavaliação de textos antigos e pré-modernos, e uma nova maneira de olhar para as questões e dilemas sem resposta de parte da filosofia e sociologia pós-modernas. Terminarei sugerindo como estas, por sua vez, sugerem novas configurações de comunidades religiosas em relação à ciência e tecnologia.

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A humilde conjunção “e” trabalha muito mais em prol da construção de discussões sobre “teologia e ciência” do que aparentaria em um primeiro momento. Ela parte implicitamente do princípio de que as suas referências pertencem à mesma categoria (“vermelho” e “azul”), implicando uma sobreposição limitada entre elas (“norte” e “sul”), e pode já inclinar a discussão para um modo de oposição (“liberal” e “conservador”). No entanto, tanto a ciência como a teologia resistem aos limites  – cada uma tem algo a dizer sobre tudo. Outras conjunções, que fazem muito mais justiça à história e filosofia da ciência, bem como às narrativas culturais da teologia, são possíveis. Uma candidata forte é “da”, quando a pergunta apropriada se torna agora: “o que é uma teologia da ciência?” e sua complementar “o que é uma ciência da teologia?”

Uma “teologia da…” Fornece uma narrativa de teleologia, uma história de propósito. Uma “teologia da ciência” descreverá, dentro da narrativa religiosa de uma ou mais tradições, para que serve o trabalho da ciência. Tem havido exemplos do gênero da “teologia da…” abordando, por exemplo, a música – veja Theology, Music and Time (2000), de James Begbie – e a arte – veja Art in action (1997), de Nicholas Wolterstorff. Observe que trabalhar por meio de uma teleologia de uma arte cultural recorrendo a recursos teológicos não implica um compromisso pessoal com essa teologia – pode simplesmente responder a uma necessidade de pensamento acadêmico sobre propósito. Por exemplo, Begbie explora o papel que a música desempenha na adaptação da experiência humana ao tempo, enquanto Wolterstorff percebe uma responsabilidade em relação à estética visual dos espaços públicos. Em ambos os casos, descobrimos que a teologia reteve um conjunto de ferramentas críticas que abordam a experiência humana essencial de propósito, valor e ética em relação a uma capacidade ou esforço.

Curiosamente, parece que algumas das frustrações sociais que a ciência agora experimenta resultam de narrativas culturais da ciência que são ora ausentes, inadequadas ou mesmo prejudiciais. A ausência de uma narrativa que delineia para que serve a ciência deixa a mesma vulnerável ao sequestro por interesses sectários pessoais ou corporativos, tais como os enquadramentos puramente econômicos de muitas políticas governamentais. Também turva as águas educacionais, resultando em uma abordagem instrumental demais para a formação científica. Em outra ocasião, tentei tecer um argumento mais extenso sobre como seria uma “teologia da ciência”, mas mesmo um resumo deve começar com exemplos das fontes recentes (embora antigas) que um projeto teológico moderno tardio deste tipo requer.

Um texto “descentralizador” coloca os seres humanos na periferia do mundo, olhando maravilhados e aterrorizados para o “outro”

A deixa para uma primeira fonte de matéria-prima vem da filósofa neokantiana de Berlim, Susan Neiman. Em um notável ensaio, ela pede que a filosofia ocidental reconheça, por uma série de razões, uma segunda fonte fundamental ao lado de Platão – a do Livro de Jó da Bíblia. O antigo texto semítico oferece um ponto de partida inigualável para uma narratologia da relação humana da mente e da experiência do sofrimento humano com o mundo material. Há muito reconhecido como uma obra-prima da literatura antiga,  tem atraído e impressionado estudiosos em iguais medidas por séculos, e ainda é um campo de estudo vibrante. David Clines, um importante estudioso do texto ao longo da vida, chama de “o livro mais intenso teológica e intelectualmente do Antigo Testamento”. Inspirando comentadores através de um panorama de vários séculos e filosofias, de Basílio, o Grande a Emmanuel Levinas, sua relevância para uma teologia da ciência é imediatamente aparente a partir da poética “Resposta do Senhor” às reclamações de Jó no final do livro:

Onde estavas tu, quando Eu lançava os alicerces da terra?
Conta-me, se é que tens verdadeiro entendimento?
Quem determinou os limites das dimensões da terra? Talvez tenhas essa resposta!

Porventura entraste nos reservatórios de neve?
Ou contemplaste os tesouros do granizo?

O autor desenvolve material a partir do núcleo da narrativa da criação na poesia hebraica da sabedoria – como se encontra nos Salmos, Provérbios e Profetas – que fala da criação através da “ordenação”, bem como delimitando e estabelecendo fundações. A pesquisa em seguida abrange o reino animal, e então, termina com um célebre texto “descentralizador” que coloca os seres humanos na periferia do mundo, olhando em maravilhamento e terror para o “outro”– as grandes bestas Behemoth e Leviatã.

O texto é um antigo reconhecimento dos aspectos imprevisíveis do mundo: o redemoinho, o terremoto, o dilúvio, os grandes animais desconhecidos. Em termos atuais, temos na Resposta do Senhor a Jó um enquadramento fundamental para as questões principais dos campos que hoje chamamos de cosmologia, geologia, meteorologia, astronomia, zoologia… Reconhecemos uma visão ancestral e questionadora da natureza, insuperável em sua astuta atenção aos detalhes e sensibilidade para com as tensões da humanidade em confronto com a materialidade. O chamado a uma relação questionadora da mente a partir desta fonte antiga e enigmática alimenta questões de propósito no engajamento humano com a natureza a partir de uma profundidade cultural que uma restrição ao discurso contemporâneo não toca.

O aproveitamento de fontes históricas é útil de outra forma. A filosofia de cada época contém os seus pressupostos tácitos, tidos como evidentes e não examinados de forma crítica. Um projeto sobre o propósito humano para a ciência que se baseasse no pensamento teológico poderia, à luz disso, inspirar-se na escrita de períodos em que este era um tema academicamente desenvolvido, como os renascimentos científicos dos séculos XIII e XVII. Ambos viram um progresso científico considerável (como, respectivamente, o desenvolvimento de ótica geométrica para explicar o fenômeno arco-íris, e o estabelecimento da heliocentricidade). Além disso, ambos os períodos, embora distinguindo perfeitamente a “filosofia natural” da teologia, operaram numa atmosfera intelectual que encorajava uma fluidez de pensamento entre as duas.

Um pensador elucidativo e perspicaz do primeiro período é o polímata Robert Grosseteste. Mestre dos Franciscanos de Oxford na década de 1220, e Bispo de Lincoln de 1235 até sua morte em 1253, Grosseteste escreveu de forma altamente matemática sobre a luz, a cor, o som e os céus. Ele se baseou na transmissão e comentários dos árabes sobre Aristóteles, mas desenvolveu diversos tópicos indo muito além do legado do filósofo clássico (foi o primeiro, por exemplo, a identificar o fenômeno da refração como responsável pelo arco-íris). Ele também concebeu uma filosofia cristã aprofundada para apoiar o reavivamento da filosofia natural na Europa, cujos programas de astronomia, mecânica e, sobretudo, ótica, levariam ao início da ciência moderna.

Em seu Commentary on the Posterior Analytics (A exposição mais detalhada de Aristóteles de seu método científico), Grosseteste insere uma sofisticada filosofia teológica da ciência dentro de uma narrativa cristã abrangente da Criação, Queda e Redenção. Empregando uma antiga metáfora para o efeito da queda sobre os poderes intelectuais superiores como uma “canção de ninar”, ele sustenta que as faculdades inferiores, incluindo criticamente os sentidos, são menos afetadas pela natureza humana caída do que as mais elevadas. Portanto, a re-iluminação deve começar por aí:

Uma vez que a percepção sensorial, o mais fraco de todos os poderes humanos, apreendendo apenas coisas individuais corruptíveis, sobrevive, a imaginação mantém-se, a memória mantém-se, e finalmente a compreensão, que é o mais nobre dos poderes humanos capaz de apreender as primeiras essências incorruptíveis e universais!

O engajamento humano com o mundo exterior através dos sentidos, recuperando um potencial conhecimento dele, torna-se parte do projeto teológico de cura. Além disso, a razão pela qual isso é possível é porque esta relação com o mundo criado é também o nexo em que a busca humana é satisfeita pela iluminação divina.

O surgimento da experimentação na ciência como agora a conhecemos é em si uma virada contraintuitiva

 

A velha ideia de que há algo incompleto, danificado ou “desarticulado” na relação humana com a materialidade (ela própria baseada em tradições como ), e que a habilidade humana de se engajar em uma investigação racional e curiosa sobre o mundo físico constitui um passo em direção a uma reversão disso, representa uma linha de continuidade entre o pensamento medieval e o pensamento do início da modernidade. O enquadramento teologicamente motivado de Francis Bacon da nova “filosofia experimental” no século XVII toma (embora não explicitamente) o enquadramento de Grosseteste como seu ponto de partida. Como apresentado em seu Novum Organum, a tradição bíblica e medieval de que os dados sensoriais são mais confiáveis do que os da razão ou da imaginação constitui a sua base para o “método experimental”.

O surgimento da experimentação na ciência tal como a conhecemos agora é em si uma virada contra-intuitiva, apesar das críticas alimentadas retrospectivamente  aos filósofos naturais antigos, renascentistas e medievais por seu fracasso em adotá-la. No entanto, a noção de que se poderia aprender algo geral sobre o funcionamento da natureza por atos tão específicos e artificiais como aqueles que constituem um experimento não era de todo evidente, mesmo depois da fundação da Royal Society. A filósofa Margaret Cavendish, do século XVII, foi uma das mais claras críticas em suas Observações sobre Filosofia Experimental (1668):

Pois tanto quanto um homem natural difere de uma estátua ou da imagem artificial de um homem, um efeito natural difere de um artificial…

Paradoxalmente, talvez tenha sido a imaginação teologicamente informada da teleologia medieval e moderna da ciência que motivou o passo contraintuitivo que venceu contra a crítica de Cavendish.

Muito do pensamento filosófico “pós-moderno” e seus antecedentes ao longo do século XX parece, na melhor das hipóteses, não ter qualquer contato com a ciência, e na pior, parece atacar as próprias raízes sobre as quais a ciência natural é construída, tais como a existência de um mundo real, e a capacidade humana de falar representativamente sobre ele. Os ocasionais conflitos explícitos das “guerras científicas” entre filósofos e cientistas na década de 1990 (tais como o “Caso Sokal” e o subsequente mal-estar público entre o físico Alan Sokal e o filósofo Jacques Derrida) sugeriram um conflito irreconciliável. Uma avaliação superficial pode concluir que as acusações de “impostura intelectual” e “ingenuidade acrítica” cobradas de ambos os lados são simplesmente a manifestação milenar do anterior conflito de “duas culturas” de F. R. Leavis e C. P. Snow, entre o mundo intelectual moderno dividido das ciências e humanidades. No entanto, à luz da perspectiva longa e teologicamente informada sobre a história que esboçamos, a relação da ciência com os principais temas filosóficos pós-modernos parece bastante diferente.

Søren Kierkegaard e Albert Camus escreveram sobre o “absurdo” – um abismo entre a busca humana por significado e sua ausência no mundo. Levinas e Jean-Paul Sartre escreveram sobre a “náusea” que surge de um confronto humano com a existência pura e básica. Derrida e Ferdinand de Saussure discorreram sobre a situação humana do desejo de representar o irrepresentável como différance. Hannah Arendt apresenta A Condição Humana (1958) com uma meditação sobre o valor icônico do voo espacial humano, e conclui que a história do modernismo tem sido um afastamento do mundo que aumentou sua inospitalidade, de modo que estamos sofrendo de uma “alienação do mundo”. A primeira articulação moderna do que esses pensadores têm em comum, um aspecto irreconciliável da condição humana em relação ao mundo, vem de Immanuel Kant em Crítica do Juízo (1790):

Entre o domínio do conceito natural, como o sensível, e o domínio do conceito de liberdade, como o suprassensível, há um grande abismo fixo, de modo que não é possível passar do primeiro para o segundo através do emprego teórico da razão.

O reconhecimento de Kant de que mais do que a razão por si só é necessária para o reengajamento humano com o mundo é ecoado por George Steiner. Presenças Reais (1989), seu breve porém triste lamento sobre a desvinculação literária dos referenciais e sentido na era moderna tardia, olha a partir de uma situação difícil para uma possível solução.

Somente a arte pode contribuir de alguma forma para tornar acessível, de modo a despertar para alguma medida de comunicabilidade, a pura alteridade inumana da matéria…

A linguagem relacional de Steiner está repleta de ressonância religiosa – pois re-ligio, em sua origem, é simplesmente a re-conexão do que foi partido. No entanto, uma vez que estivermos preparados para situar a ciência no âmbito da mesma relação com as humanidades de que desfrutam as artes, então ela também se enquadrará muito bem na ideia de “tornar acessível a pura alteridade inumana da matéria”. O que mais, pensando bem, faz a ciência?

A esperança moderna de controlar a natureza através da tecnologia está frustrada.

Embora tanto a teologia quanto a filosofia sofram frequentes acusações de irrelevância, neste ponto de descontentamento e confusão na relação dos seres humanos com o mundo, o atual debate público sobre ciência e tecnologia cruciais indica que ambas as vertentes do pensamento estão corretas. Mudanças climáticas, vacinação, inteligência artificial – estes e outros temas são marcados na qualidade do discurso público e político por tudo menos valores iluministas. O filósofo Jean-Pierre Dupuy, comentando em 2010 sobre um projeto de âmbito europeu utilizando a análise narrativa dos debates públicos em torno da nanotecnologia, mostra que eles se baseiam tanto nas “narrativas do desespero” antigas quanto nas modernas, criando uma base para qualquer discussão de “tecnologias problemáticas” que, se não forem reconhecidas, tornam impossível uma consulta pública eficaz.

A equipe de pesquisa rotulou as narrativas: (1) Tenha cuidado com o que deseja  a narrativa do desejo; (2) Caixa de Pandora  a narrativa do mal e da esperança; (3) Mexendo com a natureza  a narrativa do sagrado; (4) Deixados no escuro – a narrativa da alienação; e (5) Os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres  a narrativa da exploração. Estas histórias obscuras e alienadas aparecem repetidas vezes sob o manto dos enquadramentos públicos da ciência, mas impulsionando a opinião e a política. O caso sempre complexo de organismos geneticamente modificados é outro exemplo. Nenhuma dessas histórias subjacentes e estruturantes se baseia nos recursos teológicos dentro da própria história da ciência, mas todas ilustram o absurdo, a alienação e o irreconciliável do pensamento pós-moderno.

Não é de admirar, talvez, que Bruno Latour, escrevendo em 2007 sobre o ambientalismo, revisita a narrativa da Caixa de Pandora, mostrando que a esperança moderna de controlar a natureza por meio da tecnologia é frustrada no mesmo emaranhado cada vez mais profundo e problemático com o mundo, que impede nosso afastamento dele. Mas Latour, em seguida, faz um movimento surpreendente: ele pede um re-exame da conexão entre o domínio, tecnologia e teologia como uma rota de saída do impasse ambiental.

Que formas uma resposta ao convite de Latour poderia tomar? Uma delas é simplesmente a repetição firme, porém gentil, da verdade para o poder de que uma voz confessional em favor da ciência e de um pensamento baseado em evidências pode ter quando repousa sobre as bases profundas de uma teologia que entende a ciência como um dom e não como uma ameaça. Uma razão pela qual Katharine Hayhoe, a cientista climática texana, é uma defensora tão poderosa nos EUA por levar a sério as mudanças climáticas, é que ela consegue trabalhar de forma explícita por meio de um argumento teológico em prol do cuidado ambiental com aqueles que ressoam com isso, mas cujos compromissos ideológicos são impermeáveis a vozes seculares.

Há mais exemplos de base que demonstram como as comunidades religiosas podem apoiar um compromisso leigo saudável com a ciência. Os movimentos locais podem dissolver parte da alienação e do medo que caracteriza a ciência para muitas pessoas. Em 2010, um grupo de igrejas locais em Leeds, no Reino Unido, decidiu realizar um festival científico comunitário que encorajou as pessoas a compartilhar suas próprias histórias e as de suas famílias, juntamente com os objetos que as acompanharam (de um antigo telescópio a uma placa de circuito de um aparelho de TV à cores que foi construído pelo avô de um residente). Um movimento diversificado sob o título geral “Equipando a liderança cristã numa era da ciência” no Reino Unido descobriu uma empatia natural pela ciência como um dom criativo, em vez de uma ameaça à crença, dentro das Igrejas locais (Ver exemplos aqui).

Em nível nacional, nos últimos cinco anos, assistimos a um projeto notável envolvendo líderes seniores da igreja no Reino Unido com questões científicas atuais e seus pesquisadores. Em um país com uma Igreja estabelecida, é essencial que suas vozes no processo político nacional estejam cientificamente informadas e conectadas. Os participantes do workshop, incluindo cientistas sem formação ou prática religiosa, consideraram a combinação de ciência, teologia e liderança comunitária como sendo única e poderosa nas discussões de recursos de caminhos éticos para o futuro, em questões que vão do “fracking” (fraturamento hidráulico) à inteligência artificial.

Uma narrativa relacional para a ciência que fale da necessidade de reconciliar o humano com o material, e que se baseie na sabedoria antiga, contribui para a construção de novos caminhos para um discurso público mais saudável, e um projeto educacional interdisciplinar que seja fiel à história do engajamento humano com a materialidade aparentemente caótica e inumana da natureza, mas cujo futuro deve ser negociado ao lado do nosso. Sem um novo pensamento sobre “ciência e religião”, corremos o risco de perder uma fonte essencial de sabedoria hoje.


Tom McLeish

é professor de filosofia natural no departamento de Física da Universidade de York, no Reino Unido. Ele é o autor de Faith and Wisdom in Science (2014), Let There Be Science (2016) e The Poetry and Music of Science (2019).

 

TEXTO ORIGINAL: https://aeon.co/essays/its-not-science-vs-religion-but-each-one-via-the-other

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