SCIENTISTS ARE CHILDISH 01 - Associação Brasileira de Cristãos na Ciência: ABC²

As crianças se encantam com seres vivos que a maioria dos adultos considera nojentos ou banais. Na primavera passada, minha filha Lucy, de 6 anos, encontrou uma grande minhoca e a chamou de Cinderela. Brincou com ela por horas. Uma semana depois, meu filho Josiah, de 4 anos, pegou um sapo marrom enorme no quintal e exclamava sem parar: “Ele é adorável!” (Nem todos usariam esse adjetivo, mas eu concordei.) Eles ficam hipnotizados diante do aquário no consultório do dentista ou com o formigueiro que temos em casa, observando cada detalhe e me bombardeando com perguntas constantes.

Algumas dessas perguntas são profundas. Quase chegando à escola, Lucy me perguntou: “Existe algum número maior do que o infinito?” e depois: “Deus é maior do que o infinito?” Fiquei sem fôlego de tanta alegria como mãe, antes de responder.

Como cristã, acredito que Deus é glorificado quando nos alegramos com as coisas que Ele fez. Na verdade, penso que essa é uma das (muitas) maneiras pelas quais Deus quer que sejamos como crianças (Mt 18:3). Infelizmente, a maioria dos adultos esquece de olhar ao redor e se encantar. Paramos de fazer tantas perguntas. Mas os cientistas, não.

De astrônomos a zoólogos, os cientistas têm uma obsessão infantil por observar, tocar, experimentar e se maravilhar com o mundo natural. Às vezes passam décadas estudando uma única proteína, um aglomerado de galáxias ou um processo fisiológico, e nunca se cansam de seu objeto de estudo. Fazem perguntas incríveis.

Quando meu marido (não cientista) e eu começamos a namorar, eu estava na pós-graduação e o levava às festas e eventos do laboratório. Ele logo percebeu que a melhor forma de iniciar uma conversa com um cientista era perguntar: “Então, com qual proteína você trabalha?” Mesmo que a pessoa não estudasse proteínas, entendia que aquilo era um convite para falar apaixonadamente sobre sua área de interesse. Eles não têm nenhuma vergonha disso. São infantis. Persistem em seu trabalho porque têm perguntas: há sempre algo além do horizonte da compreensão humana que querem entender. Será isso? Poderia ser aquilo? O que acontece se cutucarmos aqui?

Minha área de interesse na pós-graduação era o citoesqueleto, uma rede intrincada de filamentos microscópicos que dão estrutura às células. Como na história da família dos três ursos, esses filamentos vêm em três tamanhos: actina (o bebê), filamentos intermediários (a mamãe) e microtúbulos (o papai). Embora eu tenha estudado um pouco a actina, fiquei fascinada pelos microtúbulos.

 

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Os microtúbulos são cilindros longos e ocos formados por subunidades de proteína. Estão sempre em movimento, crescendo e encolhendo sob influência de sinais moleculares, como um cachorro farejando o rastro de um esquilo.

Numa célula em divisão, após o DNA ter sido duplicado, os microtúbulos se organizam em dois times em lados opostos da célula para um verdadeiro cabo de guerra: cada lado laça os pares de cromossomos e puxa para si até que se separem, garantindo que ambos os lados fiquem com um conjunto completo de DNA. Todos ganham! É uma dança belíssima.

Numa célula em repouso, os microtúbulos se parecem com os braços ondulantes de um polvo: irradiam a partir do centro da célula, crescendo e encolhendo em padrões aleatórios, explorando a periferia celular. Motores moleculares caminham sobre eles, carregando cargas de um lado para outro.

Eu me sentia atraída pela matemática e pela ciência da computação (e por um estilo de vida que não exigisse ir ao laboratório em horários inconvenientes para checar minhas células). Por isso, escolhi fazer meu doutorado em um laboratório especializado em métodos computacionais para estudar células.

Meus colegas de bancada cultivavam células em que os microtúbulos eram marcados com sondas fluorescentes e depois faziam filmes dessas células vivas no microscópio. Como já se sabia que o comportamento dos microtúbulos era crítico para muitas atividades celulares, os biólogos da época rastreavam manualmente, quadro a quadro, o movimento de alguns poucos microtúbulos, um trabalho que podia levar semanas.

Meu papel era fazer o computador realizar, com alguns cliques, o que um pesquisador levaria meses para concluir. O software que desenvolvi extrai centenas ou milhares de trajetórias em segundos. Isso abriu caminho para experimentos muito mais sofisticados.

Passei 5 anos e meio na pós-graduação, dos quais 4 olhando para filmes de microtúbulos em células vivas. Nunca os chamei de “adoráveis”, mas me maravilhava com eles todos os dias. Até hoje me impressiona que o comportamento individual dos microtúbulos seja estocástico, ou aleatório, e ainda assim, juntos, contribuam para eventos altamente orquestrados como a divisão celular. Não existe um comandante dizendo a eles para onde ir; são sinais moleculares e circuitos de feedback que fornecem pistas. Microtúbulos e muitos outros complexos proteicos se auto-organizam e realizam as funções básicas da vida. Em cada uma das trilhões de células do nosso corpo. Todos os dias.

Esse efeito de auto-organização também acontece em nível de organismos. Sem ninguém gritar “virem à esquerda agora!”, um bando de estorninhos ou um cardume de peixes pode mudar de direção instantaneamente. Sem instruções, abelhas operárias produzem um padrão perfeito de favos hexagonais (a rainha está ocupada demais tendo bebês para lhes dizer o que fazer). Formigas encontram alimento vagando ao acaso e deixando feromônios pelo caminho; trilhas frutíferas são reforçadas, enquanto as improdutivas desaparecem. Ninguém grita: “Casca de banana, por aqui!”

Será que há alguém nos bastidores puxando os cordões como marionetes? Não, não creio que Deus seja um microgerente, empurrando microtúbulos ou formigas a cada instante. Mas também não acredito que a criação seja uma máquina cósmica autônoma, funcionando sozinha. A criação é robusta e responsiva; conhece e obedece à voz do Criador, embora nós – como crianças – tenhamos uma audição seletiva. (Desobediência, certamente, não é uma das formas em que devemos ser como crianças!)

Observar os microtúbulos me faz perguntar: como exatamente Deus interage e sustenta o mundo que criou? Como Ele concede agência e liberdade às coisas criadas e, ainda assim, realiza seus planos soberanos para o universo? Deus conta cada microtúbulo como conta os fios de cabelo da nossa cabeça? Os microtúbulos no corpo ressuscitado de Jesus eram os mesmos que os nossos? Nossos corpos glorificados terão células, e algumas delas morrerão, como acontece hoje, milhões de vezes por dia? Se sim, que implicações isso traz para nossa compreensão da vida, da morte, do bem e do mal? Essas são algumas das minhas perguntas infantis.

A maioria dos cientistas, pelo menos nos grandes centros de pesquisa, não é cristã. Eles não estão fazendo exatamente essas perguntas. Mas muitos se consideram espirituais, e sua espiritualidade nasce da admiração e do reconhecimento da beleza deste mundo antigo em que vivemos. Talvez não saibam, mas, ao longo de dias longos e de experimentos fracassados, cientistas em todo o mundo refletem a imagem de Deus. O deleite deles pela ordem criada – e suas muitas, muitas perguntas – dão glória a Ele.

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Kathryn Applegate é formada em biofísica e matemática, e tem Ph.D. em biologia celular computacional pelo The Scripps Research Institute, na Califórnia. Foi diretora de programas na BioLogos entre 2010 e 2016, coordenando o programa de bolsas Evolution & Christian Faith, entre outras atividades. Atualmente atua como Resources Editor na BioLogos, desenvolvendo materiais para acadêmicos e educadores. Coeditou, com Jim Stump, o livro How I Changed My Mind About Evolution (InterVarsity Press, 2016). É palestrante da BioLogos Voices, participa ativamente do diálogo entre fé e ciência, e serve em sua igreja local. Kathryn é casada com Brent e tem dois filhos pequenos. A família gosta de explorar parques estaduais de Michigan nos fins de semana. Seu sonho é passar um ano em Cambridge, Inglaterra, junto com Ruth Bancewicz e a equipe do Faraday, mas por enquanto se contentam com dramas britânicos no Netflix.

TEXTO ORIGINAL: https://www.faraday.cam.ac.uk/churches/church-resources/posts/guest-post-scientists-are-childish-but-in-a-good-way/

Projeto: The Wonders of The Living World
The Faraday Institute

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