Esta é a quinta de uma série de seis partes considerando perguntas que cristãos leigos trazem aos seus pastores quando apresentados ao ensinamento de que a evolução biológica e a ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Nos três primeiros posts, Dr. Keller deu uma visão geral da tensão entre os relatos bíblicos e científicos sobre a origem, do ponto de vista pastoral, dirigiu-se ao conflito entre evolução e uma leitura literal de Gênesis, e argumentou que um relato evolucionário das origens não necessariamente diminui a dignidade humana. No quarto post, Keller voltou-se para questões sobre a origem do pecado e do sofrimento à luz da confiabilidade das Escrituras, e ele continua esse tema neste post ao abordar a visão Paulina da obra da salvação de Cristo.
Pecado e Salvação
Alguns podem responder, “Mesmo que não achemos que houve um Adão literal, podemos aceitar o ensinamento de Gênesis 2 e Romanos 5, ou seja, que todos os seres humanos pecaram e que através de Cristo podemos ser salvos. Assim, o ensino bíblico básico está intacto, mesmo se nós não aceitamos a historicidade do relato de Adão e Eva.” Eu acho que tal afirmação é demasiadamente simplista.
O evangelho cristão não é um bom conselho, mas uma boa notícia. Não são instruções sobre o que devemos fazer para nos salvarmos, mas sim um anúncio do que foi feito para nos salvar. O evangelho é o anúncio de que Jesus fez algo na história de modo que, quando estamos unidos a Ele pela fé, temos os benefícios de Sua realização, e assim somos salvos. Como pastor, eu frequentemente sou questionado sobre como podemos receber o crédito por algo que Cristo fez. A resposta não faz muito sentido para as pessoas modernas, mas faz todo o sentido para os povos antigos. É a ideia de estar em ‘federação’ com alguém, em uma solidariedade jurídica e histórica com um pai, um ancestral, outro membro da família, ou um membro de sua tribo. Você está responsabilizado (ou obtem crédito) pelo que a outra pessoa faz. Outra maneira de colocar é que você está em uma relação de aliança com a pessoa. Um exemplo é Acã, cuja família toda é punida quando ele peca (Josué 7). O entendimento antigo e bíblico é de que uma pessoa não é “o que é” simplesmente através de suas escolhas pessoais. Ela torna-se “o que é” através de seu ambiente comunitário e familiar. Então, se ele faz um terrível crime, ou faz um grande e nobre feito, outros que estão em federação (ou em solidariedade, ou em aliança com ele) são tratados como se tivessem feito o que ele fez.
Isto é como a salvação do evangelho de Cristo funciona, de acordo com Paulo. Quando cremos em Jesus, estamos “em Cristo” (uma das expressões favoritas de Paulo, e uma expressão profundamente bíblica). Estamos em aliança com ele, não por estaremos relacionados biologicamente, mas por meio da fé. Então, o que ele fez na história vem a nós.
O que tudo isso tem a ver com Adão? Muito. Em 1 Coríntios 15, Paulo faz o mesmo ponto sobre Adão e Cristo que ele faz em Romanos 5:
Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados. 1 Coríntios 15:21,22
Quando Paulo diz que somos salvos “em Cristo”, ele quer dizer que os cristãos têm um relacionamento de aliança, federado, com Cristo. O que ele fez na história está posto em nossa conta. Mas na mesma frase, Paulo diz que todos os seres humanos estão igualmente (ele acrescenta a palavra “como” para dar ênfase) “em Adão”. Em outras palavras, Adão era um representante da aliança para toda a raça humana. Estamos em uma relação de aliança com ele, então o que ele fez na história também está posto para a nossa conta.
Quando Paulo fala de estar “em” alguém, ele quer dizer ser pactualmente ligado a esta pessoa, de forma que as ações históricas dela são creditadas a você. É impossível estar “em” alguém que não existiu historicamente. Se Adão não existiu, todo o argumento de Paulo de que tanto pecado como graça trabalham de maneira pactual se desfaz. Você não pode dizer que “Paulo era um homem de seu tempo”, mas podemos aceitar o seu ensino básico sobre Adão. Se você não acredita no que ele acredita sobre Adão, você está negando o núcleo do ensinamento de Paulo.
Se você não acredita na queda da humanidade como um evento histórico singular, qual é a sua alternativa? Você pode postular que alguns seres humanos começaram a lentamente se afastar de Deus, todos exercendo seu livre arbítrio. Mas então, como o pecado se espalhou? Foi apenas por mau exemplo? Este nunca foi o ensinamento clássico da doutrina cristã do pecado original. Nós não aprendemos o pecado dos outros; nós herdamos uma natureza pecaminosa. O ótimo livro de Alan Jacobs sobre o pecado original diz que qualquer um que sustente a visão agostiniana clássica do pecado original tem que acreditar que somos “programados” para o pecado; nós não apenas aprendemos o pecado de maus exemplos. A doutrina também ensina que o pecado não estava originalmente na nossa natureza, mas que caímos da inocência primaz 20. Um outro problema surge ao negarmos a historicidade da queda. Se alguns seres humanos começaram a se afastar de Deus, por que alguns seres humanos não poderiam resistir, de modo que certos grupos seriam menos pecaminosos do que outros? Alan Jacobs, em seu livro sobre o pecado original insiste que a igual pecaminosidade de toda a raça humana é fundamental para a visão tradicional.
Na próxima parte, o Dr. Keller propõe um dos vários “modelos” que podem concordar com o relato evolucionário das origens e o relato bíblico que se concentra em nossos relacionamentos quebrados com Deus e uns aos outros.
20 Alan Jacobs, Original Sin: A Cultural History (Harper Collins, 2008), p. 280.
Publicado originalmente em: http://biologos.org/blogs/archive/creation-evolution-and-christian-laypeople-part-5
Por Leopoldo Teixeira
Leia a última parte (parte 6) aqui.
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