Por Steven Bouma-Prediger
“Eu acredito que o tipo de coisas sobre o que eu estou escrevendo [todos os cristãos salvos, mortos e vivos, são arrebatados para o céu; aqueles com fé fraca são deixados para trás para lutar com o anticristo; uma tribulação de sete anos de pragas que assola a terra] irão acontecer algum dia.” Assim falou Jerry Jenkins, co-autor da série de livros altamente popular “Deixados para trás”, em uma entrevista publicada alguns anos atrás no Chicago Tribune. Embora os livros sejam ficção, o enredo básico é baseado na interpretação bíblica do autor. Dada essa visão do futuro, sugeriu Jenkins, os cristãos não precisam se preocupar sobre a Terra ou sua infinidade de criaturas. Essas criaturas não-humanas irão, depois de tudo, ser incineradas no apocalipse (em breve) vindouro. Os cristãos não precisam se preocupar com porcos-espinhos, pinheiros ou pradarias. Tudo isso é de pouco ou nenhum valor para um Deus que se preocupa somente com os humanos e suas almas e, portanto, deve ter pouco ou nenhum valor para aqueles que seguem e adoram essa divindade.
Uma visão de mundo (uma ontologia) na qual o espírito é separado da matéria, e uma visão dos humanos (uma antropologia) na qual a alma é separada do corpo, com o primeiro sendo mais valioso do que o último em cada um dos casos, facilmente conduz a uma visão do futuro (uma escatologia) na qual não há razão para se preocupar com a Terra. A escatologia molda a ética.
Por que os cristãos não são motivados a manter a terra?
Essa escatologia é poderosamente capturada pelo historiador ambiental Roderick Nash no seu livro “Os Direitos da Natureza: Uma História de Ética Ambiental”. Em um capítulo sobre “tornar a religião mais verde”, Nash comenta sobre a noção sempre presente no cristianismo de se referir a “outro mundo”. Ele escreve: “As aspirações cristãs estavam fixas no céu, o suposto lugar de sua origem e, assim esperavam, de seu descanso final. A Terra não era uma mãe, mas uma espécie de casa intermediária de provação da qual alguém foi liberto na morte… de fato, os cristãos esperavam que a Terra não existisse por muito tempo. Um Deus vingativo destruiria a Terra e toda a natureza não redimida, com inundações, secas ou incêndios. Obviamente, essa escatologia era uma base pobre para argumentar a favor da ética ambiental em qualquer aspecto. Por que cuidar de algo que você espera ser destruído?”
A visão de cristianismo de Nash reitera a visão do filósofo alemão de meados do século XIX, Ludwig Feuerbach: “A Natureza, o mundo, não têm valor nem interesse para os cristãos. O cristão pensa somente nele mesmo e na salvação da sua alma”. Essa afirmação de Feuerbach resume a conclusão a ser tirada de uma visão do futuro, e da realidade de forma mais geral, que nega o mundo.
Infelizmente, dados científicos sociais revelam que muitos cristãos hoje mantêm essa visão do futuro e assim não se sentem compelidos a cuidarem de sua casa terrena. Em um estudo intitulado “Teologia do Fim dos Tempos, a Sombra do Futuro, e a Resistência Pública no Enfrentamento da Mudança Climática Global”, David Barker e David Bearce concluem que as crenças entre os cristãos evangélicos sobre a segunda vinda de Jesus são um importante fator subjacente à resistência em abordar a mudança climática global nos EUA.
Em outras palavras, a escatologia molda a nossa ética. A forma como nós vemos o futuro afeta o que nós fazemos (ou não) no presente. E para os críticos do cristianismo (Nash e Feuerbach são somente dois dentre vários) isso significa que uma escatologia escapista leva a uma ética de negligência e exploração – ao buscar a causa da degradação ecológica contemporânea, não é necessário ir além da religião, e do cristianismo em particular. Essas pessoas argumentam que nós estamos na bagunça ecológica em que estamos, em grande medida, porque a vasta maioria dos cristãos não se preocupam com a criação. E os cristãos não se preocupam com a criação porque eles acreditam que Deus não se preocupa com a criação. De fato, o mundo criado, eles acreditam, será destruído. Então porque cuidar de algo que (em breve) desaparecerá.
O ético James Nash identifica a escatologia escapista como uma das quatro principais afirmações no que ele chama de “reclamação ecológica contra o cristianismo”. Cada um de seus quatro argumentos demonstra o cristianismo como problemático, e aqui temos muitas evidências para mostrar que muitos cristãos acreditam que o cuidado com a criação não é importante, em grande parte, porque eles acreditam que Jesus estará voltando em breve e assumem que quando Jesus voltar, novamente, a Terra será destruída.
O que a Bíblia realmente nos diz?
Todas as questões acima suscitam algumas perguntas: qual é a visão cristã bíblica do bom futuro de Deus? Uma escatologia de afirmação da Terra mudaria nossa ética e, assim, remodelaria nossas ações no presente? Há vários textos bíblicos possíveis que nós podemos examinar, mas eu gostaria de focar em Apocalipse 21:1-22:7. O que nós podemos aprender sobre o bom futuro de Deus a partir desse texto extraordinário? Há muito a aprender, mas aqui vão cinco pontos principais.
O bom futuro de Deus é terreno e terrestre
Isso inclui céu e Terra renovados. Tendo trazido esse mundo de maravilhas à existência, feito um pacto com ele e persistentemente trabalhado para redimi-lo, Deus não desiste dele. Essa visão é de um novo céu e uma nova terra (ouranon kainon kai gên kainên), mas o “novo” aqui sugere novo em qualidade, em contraste com algo antigo. Novo significa renovado, reavivado, recuperado. De acordo com a grande visão de Isaías 65 e Ezequiel 40-48, o bom futuro de Deus é um céu e uma terra renovados. Em seu comentário nesse texto, Eugene Boring, estudioso do novo testamento, mostra isso bem:
“Mesmo que a primeira terra e o primeiro céu tenham passado, a cena continua muito como uma cena deste mundo… [Isso] é uma afirmação do significado desse mundo e sua história, mesmo depois de um novo céu e uma nova terra chegarem… [Deus] não desperdiça o cosmos e começa um novo – Ele renova o antigo e o conduz à realização. Deus não faz “todas as coisas novas”, mas “todas as coisas renovadas”.”
No bom futuro de Deus, Ele mesmo irá habitar conosco e com todas as criaturas relacionadas a nós
Em linguagem que lembra João 1:14 e Ezequiel 37:27, o texto declara que a casa de Deus (skênê tou theou) está entre os humanos, e que Deus irá acampar (skênôsei) entre nós. De fato, Apocalipse 21:3 enfatiza que o próprio Deus (autos ho theos) estará conosco e nós seremos Seu povo. Em uma linguagem profundamente enraizada no Antigo Testamento (Êxodo 6:7, Levítico 26:12, Jeremias 7:23, Ezequiel 37:27, Oséias 1:23), o texto deixa claro que na cidade santa Deus será conhecido face a face, e que nós pertenceremos a Deus, com Seu nome estampado em nossas testas (22:4).
No bom futuro de Deus, a separação entre céus e Terra é superada
Os atuais reinos distintos dos céus e da Terra estão entrelaçados juntos no futuro – unidos por iniciativa de Deus. A cidade santa desce dos céus (21:2 e 21:10). Sua chegada não é uma conquista humana, sua realidade não é produto da engenhosidade humana. De acordo com o caráter de Deus, Ele virá a nós. O Paraíso está na Terra. Assim como na parábola do Pai Gracioso (Lucas 15:11-32), Deus inicia a redenção. Nas palavras dos historiadores Justo e Catherine Gonzales:
“Não haverá mais uma grande separação entre o céu e a terra. Não é tanto que os remidos serão levados para o céu, mas sim que Deus virá entre nós e fará parte da nova Jerusalém. Na encarnação de Cristo, Deus veio entre os seres humanos como um deles, mas ainda em uma versão escondida. Agora, nessa nova criação, Deus não estará escondido, mas virá entre uma humanidade redimida de uma forma direta e não mediada.”
No bom futuro de Deus, o mal e suas consequências não existem mais
Sete (o número bíblico da perfeição) elementos da antiga ordem não existem mais. O mar, símbolo do caos primitivo e da morada da besta, não existirá mais. A própria morte não existirá mais. Luto, choro e dor não existirão mais. Não há mais pais enterrando seus filhos mortos em batalhas. Não há mais câncer roubando uma vida tão jovem. Não mais natimortos. E tudo o que está sob a maldição de Deus não existe mais. A maldição de Gênesis 3 é anulada, levantada, revogada. Nas palavras do antigo hino de Natal, a redenção se estende “até onde a maldição for encontrada”. E por último, não haverá mais noite. O reino do engano foi banido. Em suma, essa visão apocalíptica retrata vividamente um mundo de shalom.
No bom futuro de Deus, nós habitaremos uma cidade muito incomum
Não há templo, nem lugar separado, pois o próprio Deus é o templo. Uma Pessoa substituiu um edifício. Assim nada nessa cidade é profano; nada é não-sagrado. Tudo está a serviço de Deus. E essa cidade é uma cidade jardinada. Nesta cidade flui o rio da vida de águas cristalinas, regando as árvores que se alinham em suas margens. Essas árvores fornecem frutos durante todo o ano, sustento em todas as estações, e suas folhas são um bálsamo curativo para as nações. Pessoas de todos os tipos chegam a esta cidade, cujos portões nunca fecham. Reis e indigentes, amigos e inimigos – todos eles trazem sua glória e honra para a cidade. O estudioso do novo testamento George Caird captura essa parte da visão de João:
“O paraíso de João não é o Nirvana que nega o mundo, no qual o homem pode escapar de incuráveis doenças da existência terrestre, mas o selo de afirmação da bondade da criação de Deus. O tesouro que os homens encontram acumulado nos céus acaba sendo os tesouros e as riquezas das nações, o melhor que eles conheceram e amaram na Terra é redimido de todas as imperfeições e transfigurado pelo esplendor de Deus. Em lugar algum do Novo Testamento nós encontramos uma declaração mais eloquente do que esta do escopo tão abrangente da obra redentora de Deus”.
Como, então, se parece o bom futuro de Deus? Esses últimos capítulos de Apocalipse nos sinalizam uma visão terrena de vida tornada boa, íntegra e correta. Céus e Terra são renovados e são um. Deus habita conosco, em casa, na criação. O mal e seus agentes não existirão mais. Um mundo de shalom. O estudioso bíblico N.T. Wright resume a escatologia de Apocalipse 21-22:
“Percebemos imediatamente como isso é drasticamente diferente de todos aqueles pretensos cenários cristãos em que o fim da história é o cristão indo para o céu como uma alma, nua e sem adornos, para encontrar seu Criador com medo e tremor. Como está em Filipenses 3, não somos nós que vamos para o céu, mas o céu que virá à terra; na verdade, é a própria igreja, a Jerusalém celestial que desce à terra. Essa é a rejeição final de todos os tipos de gnosticismo, de todas as cosmovisões que entendem o objetivo final como a separação entre o mundo e Deus, o físico e o espiritual, a terra e os céus. É a resposta final à Oração do Senhor, em que o reino de Deus virá e será feito tanto na Terra como no céu.”
Em suma, a Bíblia ensina não uma escatologia escapista, mas uma escatologia afirmativa da Terra.
A escatologia molda a ética. E uma escatologia verdadeiramente bíblica da criação renovada deveria nos inspirar a nos tornarmos mantenedores da Terra. Mais especificamente, tal visão do futuro deveria nos motivar a nos tornarmos pessoas que incorporam virtudes ecológicas como justiça e amor, coragem e esperança. Embora muitas pessoas tenham falado recentemente sobre a manutenção da terra, poucas o fizeram de forma tão eloquente ou perspicaz como Wendell Berry. Concluo com algumas de suas palavras:
“O ensinamento ecológico da Bíblia é simplesmente inevitável: Deus fez o mundo porque Ele quis fazer. Ele acha o mundo bom e Ele o ama. É o Seu mundo; Ele nunca abriu mão do título. E Ele nunca revogou as condições, dando o Seu dom para nós usufruirmos dele, o que nos obriga a cuidá-lo com excelência. Se Deus ama o mundo, então como pode qualquer pessoa de fé ser desculpada por não amá-lo ou justificada por destruí-lo?”
Texto Original: https://biologos.org/articles/end-times-environment
Sobre o autor:
Steven Bouma-Prediger (PhD, University of Chicago) é professor de Teologia Reformada no Hope College em Holland, Michigan. Ele também supervisiona o curso de Estudos Ambientais e preside o Comitê Consultivo de Sustentabilidade do Campus. Além disso, Bouma-Prediger é professor adjunto de teologia e ética no Western Theological Seminary. Ele é o autor ou co-autor de vários livros, incluindo “For the Beauty of the Earth”, e escreve e fala regularmente sobre questões ambientais.
Tradução: Carlynne Simões
Revisão: Tiago Pereira
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Jerry Jenkins, Chicago Tribune (13 March 2002), section 5, p. 3.
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Roderick Nash, The Rights of Nature (Madison: University of Wisconsin, 1989), pp. 91-92.
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Ver http://digitaljournal.com/article/349388 e também http://www.pewforum.org/Christian/US-Christians-Views-on-the-Return-of-Christ.aspx. O estudo original pode ser acessado em: http://prq.sagepub.com/content/66/2/267.full.pdf+html.*
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James Nash, Loving Nature (Nashville: Abingdon, 1991), ch. 3.
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Para mais sobre esse texto e sua interpretação, veja Steven Bouma-Prediger, For the Beauty of the Earth, rev. 2nd edition (Grand Rapids: Baker Academic, 2010), pp. 107-109.
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M. Eugene Boring, Revelation (Louisville: John Knox, 1989), p. 220.
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Justo and Catherine Gonzalez, Revelation (Louisville: Westminster/John Knox, 1997), p. 138.
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G. B. Caird, The Revelation of St. John the Divine (New York: Harper and Row, 1966), pp. 279-80.
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N. T. Wright, Surprised By Hope (New York: HarperCollins, 2008), p. 104.
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Wendell Berry, What Are People For? (New York: Northpoint, 1990), p. 98.
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