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A vida de um cientista, por Andy Crouch 

Eu sou casado com uma cientista—para ser específico, uma física experimental (que eu gosto de pensar que é o melhor tipo). Há mais de 15 anos acompanho Catherine ao longo de uma vida na física, uma espécie de O Peregrino que começou no Pântano da Pós-Graduação, continuou através dos Campos de Provação da Busca por Emprego e o aflitivo Vale da Estabilidade, e agora está abrindo caminho através dos Campos Elísios do Ensino, Pesquisa e Administração do Meio da Carreira. Ao longo do caminho, assim como Cristão no clássico de Bunyan, ela encontrou muitos personagens úteis e perigosos, alguns tranquilamente metafóricos e outros muito literais. E eu, como o amigo de Cristão, Esperançoso, tentei ser um companheiro fiel, embora muitas vezes eu tenha sido capaz de fazer pouco mais do que torcer ou me retrair diante das reviravoltas de uma vida na ciência.

Há um ponto sério na minha invocação lúdica de O Peregrino. Como muitos dos mais complexos esforços humanos—paternidade, agricultura, tornar-se cristão— a vida de um cientista não é apenas uma “ocupação”, algo que nos ocupa por um tempo e pode então ser seguido por algo completamente diferente. Ser um cientista é tanto sobre ser como fazer, é tanto sobre um modo particular de ser formado como pessoa quanto é um conjunto de atividades ou mesmo habilidades. O treinamento em ciência não é tanto a indução a uma cosmovisão particular (embora inclua absorver bastante do tipo de pressupostos cognitivos que essa palavra sugere), mas sim uma postura em relação ao mundo, ao trabalho de alguém, e em relação aos outros seres humanos, cientistas e não-cientistas. E a vida de um cientista é uma jornada, uma viagem cheia de preocupações fundamentais e repleta de valores. É um caminho para um conjunto de virtudes, hábitos e disposições que fazem de alguém uma pessoa com um tipo particular de caráter.

Quando falamos de fé e ciência, tendemos a focar no conteúdo cognitivo de ambos os empreendimentos, nas alegações de verdade e nas visões de mundo que animam essas duas dimensões cruciais da vida humana moderna. São assuntos importantes, e não pretendo diminuí-los. Ao mesmo tempo, há limites inevitáveis para o que qualquer pastor pode fazer para integrar construtivamente o conteúdo do conhecimento da ciência — tão vasto e em rápida expansão que nem mesmo os cientistas podem fingir ser especialistas em nada além de uma pequena porção — com o conteúdo da fé cristã. Mas há outra forma de aproximar a fé e a ciência que eu acredito que poderia estar bem mais ao alcance da maioria dos pastores, e mais essencial para a descrição de suas funções do que ser profundamente alfabetizado nas últimas descobertas e teorias científicas — e que é simplesmente participar, apoiar e encorajar em oração a própria vida científica como uma vocação que pode refletir a imagem de Deus e ser um lugar para exercitar a própria salvação.

Então aqui está o que eu gostaria que nossos pastores — e companheiros cristãos — soubessem sobre a vida de um cientista profissional.

Deleite e maravilha

Se há uma personalidade característica da grande maioria dos cientistas que conheci, é o deleite. Há algo na ciência que atrai pessoas fascinadas e entusiasmadas pelo mundo. Com certeza, qualquer cientista é encantado por coisas que você e eu podemos achar estranhas ou até incompreensíveis — as complexidades do enovelamento de proteínas, as camadas de núcleos de gelo antártico, ou as propriedades dos espaços de Lebesgue (e não, eu não faço a menor ideia do que essa última frase significa). Mas a especificidade de seus deleites é um dos segredos do deleite: como o amor, o deleite é sempre mais potente quando é particular. Certamente é possível encontrar advogados que são encantados pelo Direito (eu tenho um amigo que pode falar longamente e com entusiasmo sobre falências corporativas), produtores de leite que são encantados com vacas, ou lenhadores que ficam encantados com árvores — mas ouso dizer que você tem muito mais chances de encontrar cientistas que se encantam com a pequena parte do mundo que estudam no dia a dia. (Pelo menos quando não estão frustrados com isso — o que examinaremos a seguir).

Em muitos cientistas, o deleite é acompanhado de maravilhamento — um senso de espanto com a bela e engenhosa complexidade encontrada no mundo. No inglês, a palavra que designa maravilhamento, “wonder”, é também utilizada para expressar ignorância —”I wonder how a light bulb really works?” (me pergunto como uma lâmpada funciona), mas aqui estamos falando do outro sentido, que vem do entendimento. De fato, à medida que avançamos na era científica da humanidade, temos sido capazes de nos livrar de uma noção equivocada do início da modernidade: a de que quanto mais o mundo se tornasse compreensível, menos pareceria maravilhoso. Isso não é verdade, pergunte a um cientista. O maravilhamento cresce à medida que a compreensão cresce. Na verdade, o maravilhamento só cresce se a compreensão crescer. Se substituirmos a nossa admiração infantil por relâmpagos por uma explicação como: “não passa de uma transferência de voltagem através de um material altamente resistente” (um exemplo do que G. K. Chesterton chamou espirituosamente de “nada-além-dismo“¹), talvez o mundo pareça um lugar menos maravilhoso. Mas aqueles que realmente buscam o conhecimento do relâmpago — do eletromagnetismo ou formação de nuvens ou sistemas climáticos — acabam ficando mais admirados com o mundo do que quando eram quando crianças. Esta é, sem dúvida, uma das características notáveis do nosso cosmos: quanto mais o compreendemos, mais admiramos a sua bela elegância e simplicidade e, ao mesmo tempo, a sua humilde complexidade.

Sem dúvida, muitos, senão a maioria dos cientistas, não vêem este mundo maravilhoso da maneira que a maioria dos cristãos esperaria. Para nós, o maravilhamento é um trampolim para a adoração — atribuindo nossa admiração pelo mundo a um Criador que tem seu valor revelado por ele. Para muitos cientistas, o maravilhamento é menos um trampolim do que um substituto para a adoração. No entanto, eles param e ficam admirados de igual modo.

Humildade intelectual

Duvido que a humildade esteja entre as primeiras características que vem à mente da maioria das pessoas quando pensam em cientistas. E, de fato, alguns cientistas (como alguns acadêmicos e intelectuais em geral) apresentam uma combinação de confiança em seu próprio intelecto e limitações em suas habilidades sociais que os faz parecer indelicados, se não arrogantes. Alguns fizeram uma carreira pública de excesso intelectual, principalmente em questões de ciência e fé. Mas na minha experiência (e certamente, permita-me enfatizar, no caso da minha própria esposa!) esta é muito mais a exceção do que a regra. Se a humildade intelectual é essencialmente uma disposição para admitir o que você não sabe e não pode saber, a ciência cultiva a humildade como poucas outras atividades conseguem—porque em poucas outras atividades você descobre com tanta frequência que estava errado.

Apesar de contarmos a história da ciência através de seus pontos altos—as descobertas e teorias confirmadas que ganharam prêmios Nobel e iniciaram novas eras na tecnologia—a prática real da ciência, para quase todos os cientistas profissionais, envolve muito mais fracasso do que sucesso. Isto é especialmente verdadeiro para a ciência experimental, o tipo que requer a interação mais direta com a realidade recalcitrante. Na maioria dos dias, na maioria dos laboratórios, os dados não batem, o Matlab tem um bug não rastreável, o laser está estragando e todas as culturas são contaminadas quando o estagiário de pesquisa da graduação espirra. E embora cada um desses reveses cotidianos exija imensa paciência e persistência para serem superados, eles são apenas a versão cotidiana da perplexidade que começa cedo no estudo da ciência. Todo cientista, no processo de seu treinamento, teve que descobrir repetidamente que suas intuições sobre o mundo estão simplesmente erradas, ou pelo menos incompletas. Mesmo grandes cientistas se depararam com a enorme estranheza e imprevisibilidade do mundo — Albert Einstein, por exemplo, nunca aceitou inteiramente a incerteza no coração da mecânica quântica, algo que é universalmente aceito pelos físicos.

Este confronto regular do cientista com os limites de seu próprio conhecimento e habilidade não deve ser tomado como certo. As outras divisões da Academia, as ciências sociais e as humanidades, lidam com assuntos de tal variabilidade e complexidade que muitas vezes é difícil dizer conclusivamente que qualquer pessoa, ou qualquer teoria, está completamente errada. As grandes teorias de Marx e Freud podem não parecer tão plausíveis quanto antes, mas há milhares de pessoas seguindo suas linhas de pensamento sem perder o respeito de seus pares intelectuais. Mas a cosmologia ptolomaica ou a evolução lamarckiana agora simplesmente não têm mais seguidores. Eles foram refutados para além de qualquer dúvida razoável (embora as ideias de Lamarck, curiosamente, acabaram tendo uma parcela de verdade de uma forma muito diferente do que ele esperava). Quem é capaz de ser mais intelectualmente humilde — alguém que no início de seus estudos, e diariamente em seu trabalho, descobre que suas suposições estavam erradas, ou alguém que sempre encontra uma maneira de argumentar para fugir de qualquer dificuldade intelectual? Talvez não seja por acaso que a “inflação das notas”, na qual as notas dos alunos crescem cada vez mais em um aceno às realidades de consumo da universidade moderna, seja muito menos difundida nas ciências, onde você não pode persuadir alguém a dar-lhe um A. A verdade honesta, e humilhante, é que provavelmente há mais humildade intelectual no laboratório de física comum do que na sala de aula de teologia comum.

Frustração

Com certeza, essa humildade é difícil de conquistar. Como se não bastasse o trabalho da ciência (e de muitos campos técnicos) ser meticuloso e frustrante, essas dores são muitas vezes assumidas para ganhos incrementais muito pequenos no conhecimento. Cada área de trabalho humano envolve dificuldade, atraso e decepção— “Com o suor do teu rosto comerás o pão, até que regresses à terra.” A ciência também trabalha sob a maldição de um mundo que não é como deveria ser. Para nós, que somos leigos em relação à ciência, é fácil confundir ciência com tecnologia. A tecnologia é construída com conhecimento bem estabelecido, camuflando enormes quantidades de trabalho e suor humano (não apenas trabalho científico, é claro, mas também o trabalho daqueles que projetam e montam nossos dispositivos). Na verdade, parte da atração da tecnologia é a sua promessa implícita de revogar temporariamente a Maldição, proporcionando uma experiência de praticidade divina para o seu usuário final. Aqueles de nós que se beneficiam do produto final do processo científico-tecnológico podem facilmente esquecer que no início de cada descoberta, desde a máquina a vapor até o transistor, havia pessoas trabalhando nos limites inexplorados do conhecimento humano, e que na maioria dos dias eles deixaram sua bancada completamente inseguros se estavam fazendo qualquer progresso. Os cientistas podem ou não acreditar nas palavras de Gênesis 3, mas eles conhecem os fardos do trabalho muito bem — mesmo e especialmente do trabalho gratificante.

Colaboração

Esta pode ser a coisa que os não-cientistas menos entendem sobre a ciência. A ciência é feita em comunidade. A cultura popular, talvez inevitavelmente, tem dificuldade em retratar isso com precisão. O Dr. Frankenstein, trabalhando sozinho no seu laboratório muito depois da meia-noite, tornou-se o nosso paradigma para a prática da ciência. Ou talvez para uma geração mais jovem, é o doutor Emmett Brown do De volta para o futuro mexendo com o tempo em sua garagem. Mas Frankenstein e o “Doc” Brown são cientistas malucos, não os verdadeiros. Os cientistas reais — isto é, os sãos — colaboram. Eles trabalham em estreita colaboração — com colegas, com orientadores, com estudantes. Quase todo o trabalho científico de hoje é intensamente colaborativo de uma forma que é estranha a quase qualquer outra disciplina acadêmica, enfaticamente incluindo a teologia. Os mais célebres teólogos (e pastores, também) escrevem livros com apenas o seu nome neles, enquanto os mais célebres cientistas fazem coautoria de artigos com dezenas de colaboradores. Faz 19 anos desde que um único indivíduo ganhou o Prêmio Nobel de Física.

Com a prática colaborativa da ciência vêm as alegrias, bem como os desafios de gerenciar as prioridades, expectativas, egos, habilidades e limitações de muitas pessoas. Talvez seja por isso que, de uma forma que também confunde os estereótipos populares, eu muitas vezes acho que cientistas altamente bem-sucedidos têm fortes habilidades sociais. Eles nem sempre são as pessoas mais descoladas do jantar, mas têm algo mais importante — um interesse genuíno pelas pessoas, reservas de paciência e generosidade, e a capacidade de construir e sustentar equipes que possam sobreviver à frustração da investigação diária.

Vejamos — uma comunidade de pessoas que trabalham lado a lado, motivadas pelo prazer e pelo maravilhamento, caracterizadas pela humildade intelectual e pela disposição de admitir que erraram e de mudar de direção, que juntos ajudam uns aos outros a suportar as frustrações do trabalho em um mundo caído … isto parece algo que a Igreja deveria celebrar?

Ou talvez até emular? E, no entanto, nunca ouvi o mundo da ciência, o mundo em que a minha mulher habita todos os dias, ser apontado sequer como um potencial ponto de referência metafórico para a verdadeira comunidade amada para a qual todos nós somos chamados. Talvez seja mais próximo do que pensamos. Não é, claro, a comunidade amada. O mundo da ciência tem o seu lado sombrio, e isto também forma a vida e o trabalho da minha mulher e dos seus colegas cientistas. Entre as características deste lado sombrio:

Competição

Tão poderosa e real como a cooperação dentro de grupos de pesquisa é a competição entre grupos de pesquisa para passar na frente com novas descobertas. A moeda do mundo científico acadêmico é a publicação, e apenas o primeiro grupo a apresentar seus resultados pode publicar na revista mais prestigiada do campo. (As patentes na indústria têm desafios ainda maiores). A história da ciência está repleta de descobertas independentes simultâneas (a Wikipédia tem uma lista longa e fascinante, incluindo a Lei de Boyle, a fita de Möbius e a vacina da pólio), o que sugere que a “descoberta” é tanto um resultado do trabalho anterior dos outros, e condições sociais misteriosamente importantes, como de qualquer gênio puro de uma pessoa ou grupo. Num mundo melhor, essa visão pode moderar as ambições de ser único e primeiro. Mas no mundo que temos, no mínimo, isso agrava a concorrência, uma vez que é provável que o que quer que você esteja trabalhando, algum outro grupo provavelmente também está tentadoramente perto de arrebatar o prêmio.

A competição pode ser saudável — a maioria de nós precisa dela para alcançar o mais alto nível de desempenho que somos capazes, e quando é saudável é estimulante, mesmo para aqueles que não terminam em primeiro. Mas a competição é mais saudável quando ocorre em um ambiente de abundância, onde todos sabem que têm a ganhar ao entrar na corrida — considere a alegria, satisfação e camaradagem no início e no fim de um triatlo típico. A concorrência torna-se estressante, se não tóxica, quando ocorre num ambiente de escassez de recursos e ameaças à sobrevivência. Infelizmente, isso é cada vez mais frequente na prática da ciência de hoje. O século XX, impulsionado pelo crescimento econômico e por uma competição de alto nível entre a União Soviética e o Ocidente, foi um período de abundantes recursos para o trabalho científico. Em muitos campos, o século XXI parece ser muito mais limitado. Como em muitos setores da nossa economia global, os que terminam em primeiro lugar estão ganhando uma parte maior dos recursos disponíveis. À medida que a pressão aumenta, também aumentam os riscos para a saúde emocional e espiritual dos praticantes da ciência (e, muito possivelmente, a produtividade a longo prazo e a fecundidade do próprio empreendimento científico).

Risco

A palavra em inglês para “carreira” (career), em sua forma verbal também pode significar “sair do controle, cambaleando de um lado para o outro”—o que torna estranho o fato de que em sua forma substantiva, a palavra tenha a conotação de um caminho bem definido e relativamente previsível de sucesso profissional. As carreiras científicas têm muito mais em comum com o verbo original em inglês do que com o substantivo mais inofensivo. A própria essência da investigação científica é sondar os limites do que é conhecido, o que significa que mesmo os cientistas mais talentosos podem apenas tentar adivinhar as possibilidades de sucesso no início de qualquer novo empreendimento de pesquisa. O que é verdadeiro para experimentos individuais é verdadeiro para programas de pesquisa inteiros e vidas inteiras na ciência. Alguns amigos nossos dos anos de pós-graduação de Catherine, todos os quais trabalharam com alguns dos mais célebres mentores científicos do mundo no MIT e em Harvard, conseguiram ganhar estabilidade e grande financiamento após alguns anos, enquanto outros com igual talento e treinamento perderam um emprego após outro na reestruturação da indústria farmacêutica. Escolher uma carreira como cientista é embarcar numa viagem cujo fim não pode sequer ser razoavelmente previsto desde o início, não importa o quão grande sejam seus talentos ou quão afortunada seja sua escolha de mentores e orientadores.

Poucos cientistas estão isentos do estresse psicológico que vem com este tipo de incerteza. Os melhores cientistas, que tendem a ser tolerantes ao risco e otimistas por natureza, aproveitam-se dessa incerteza como energia para escolhas ousadas e empreitadas experimentais não convencionais; outros podem acabar quase paralisados pelo medo de tomar uma decisão errada. De qualquer forma, suas vidas são sombreadas por um grau de incerteza que contradiz seu status profissional relativamente elevado.

Isolamento

Pode parecer estranho que um esforço altamente colaborativo também possa isolar. E de fato, os cientistas geralmente encontram grande camaradagem em seus grupos de pesquisa e dentro de suas disciplinas. Mas praticar a ciência é também aceitar um certo grau de isolamento dos outros seres humanos. Às vezes, o isolamento é enfaticamente físico— sessões longas e solitárias de observação em telescópios remotos, a noite toda em um laboratório esperando por processos biológicos que levam seu próprio tempo, ou, no caso de minha esposa, precisando trabalhar em um laboratório no porão (para minimizar a vibração) sem janelas (para minimizar a luz ambiente).

Mas o isolamento também é intelectual. O alto grau de especialização exigido pela ciência significa que mesmo a maioria dos membros do Departamento de Física da minha esposa não consegue entender facilmente sua pesquisa atual, nem ela a deles. Ainda mais difícil é explicar seu trabalho aos vizinhos ou aos irmãos cristãos, e este isolamento é muitas vezes agravado pela intimidação. A maioria dos leigos se sentem perplexos e confusos na escola com as ciências, especialmente a matemática que é necessária para as ciências físicas, e ficam aliviados de se livrar delas assim que podem. Eles se sentem desconfortáveis e sem experiência para falar de pesquisa científica, então rapidamente mudam de assunto. Isso pode resultar em conversas muito curtas depois da igreja—ou, mais provavelmente, significa que os cientistas simplesmente nunca conseguem compartilhar as alegrias e os desafios de seu trabalho com a maioria das pessoas com quem louvam e se divertem.

Especialização

Outro tipo de isolamento vem de uma das grandes conquistas da sociedade ocidental: a divisão do conhecimento em subcampos cada vez mais especializados. Não há dúvida de que uma especialização cada vez maior desencadeou a descoberta, a criatividade e, na verdade, grande parte da prosperidade de que desfrutamos. Mas a especialização tem custos intelectuais e pessoais para pelo menos alguns cientistas, como minha esposa, que se dedicaram à física pelo amor à física, como um todo. Foi pela elegância bela e abrangente da física que ela ficou mais ansiosa para estudar e ensinar—e certamente um dos grandes dons de cada campo da ciência são as simetrias e padrões gloriosos que parecem escritos no tecido do nosso universo.

Mas sustentar uma carreira de pesquisa em física requer atenção para o que pode parecer para o resto de nós sub-sub-especializações absurdamente ínfimas que só se tornaram mais bem definidas ao longo do tempo. Alguns cientistas, talvez a maioria, prosperam nessas pequenas áreas de foco. Mas aqueles de nós que se preocupam com o modo como o mundo se mantém unido, e creem que todas as coisas se unem em Cristo, a sabedoria e o poder de Deus, devem insistir que o excesso de especialização não é bom para a alma de ninguém. A esterilidade que é necessária para um experimento biológico bem-sucedido, ou o vácuo austero essencial para muitos experimentos em física, não são ambientes viáveis para florescer a vida. Tampouco é a especialização intelectual a mais alta forma de conhecimento — é mais provável que seja o tipo de conhecimento que simplesmente infla, a menos que, após os frutos da especialização serem colhidos, eles sejam re-integrados à complexidade de vidas plenamente humanas.

Ministrando aos cientistas

Assim é a vida de um cientista, pelo menos a cientista que conheço melhor. Algumas destas realidades formativas têm sido elementos de carreiras intelectuais durante séculos (maravilhamento, frustração, competição, a exigência de novidade, talvez a intimidação de não-especialistas). Outras são particularmente modernas e não exclusivas da ciência (especialização e isolamento afetam ou afligem muitas carreiras na nossa época). Outras são muito específicas quanto à vocação de um físico e seriam menos verdadeiras para um biólogo ou um ecólogo. Uma vez que muitos cientistas também são professores, outro ensaio digno de um comentário poderia ser adicionado sobre os desafios de ensinar bem e de maneira fidedigna. E eu não mencionei as muitas complexidades que vêm com o fato de ser uma mulher, e mais especificamente uma mãe, em uma das poucas disciplinas que ainda veem uma sub-representação persistente de mulheres, bem como de minorias étnicas. Mas espero que neste momento você esteja sentindo que abraçar a vocação da pesquisa coloca uma pessoa em um caminho que acabará por exigir um tremendo crescimento espiritual e emocional—ou que irá impedir esse crescimento. Tal como acontece com tantos chamados profissionais, descobri que a ciência faz tais exigências aos seus praticantes, que aqueles que têm sucesso tendem a ser pessoas surpreendentemente maduras e sábias, ou tristemente tolas e definhadas — com relativamente poucos no meio desses dois extremos. A aposta numa vocação científica é grande.

E aqui está a minha preocupação: com Catherine ao meu lado, tenho assistido a 15 anos de sermões em igrejas que, de um modo geral, serviram muito bem a nossa família com adoração, ensino, comunhão e oportunidades para a missão. Há muito pelo que tenho sido grato nesses sermões. Mas não posso deixar de notar que em todos estes anos, a menos que eu esteja esquecendo de alguma coisa, não me lembro de ter ouvido nada, na igreja ou em um estudo bíblico ou em outro contexto cristão, que reconhecesse a maior parte da dinâmica que minha esposa encontra em sua vocação todos os dias.

Será que o Evangelho realmente não tem nada a dizer ao nosso senso de maravilhamento e deleite no mundo? Está em silêncio sobre como gerir a concorrência e o risco? Não nos dá nenhuma orientação sobre as qualidades que fazem uma colaboração real e frutífera? Ao contrário, tudo isso é o solo onde o discipulado pode crescer, onde a graça pode ser descoberta, e onde a fé real pode ser alimentada.

Que outras oportunidades estamos perdendo de nomear os caminhos que cada vocação em nossa congregação nos aponta, e de fato requer de nós, a morte do ego e a confiança em Deus que são a essência da confiança em Jesus?

 

Outra maneira de colocar isso é que todos esses desafios e dons são intensamente pessoais. Ou seja, têm muito a ver com o tipo de pessoa que a Catherine é. Eles a afetam como um ser humano encarnado, afetando seu sono, seus pensamentos, seus sonhos, seu ritmo cardíaco e pressão arterial. E não se trata fundamentalmente do conteúdo teórico da física. São sobre a prática da física. Eles são sobre os padrões encarnados da vida que moldaram os horizontes de possibilidade e impossibilidade para Catherine e seus colegas.

Nenhuma destas realidades pode, aliás, ser devidamente considerada no quadro da própria ciência.

A própria ciência não consegue interpretar a prática da ciência — não de uma maneira que faça justiça a toda a experiência de ser um cientista, respondendo a perguntas de por que é uma verdadeira vocação humana, por que é potencialmente cheia de tentações, bem como, potencialmente, cheia de graça, e por que ela pode produzir tanto deleite e tanta dificuldade.

Essas são questões teológicas — mas mais imediatamente são questões ministeriais, exigindo que alguém venha ao lado dos cientistas com recursos de fora da própria ciência.

Muitas pessoas que acabam em vocações acadêmicas estão confortáveis com a abstração. Há uma verdadeira vantagem intelectual que pode ser obtida quando pessoas abstraem para falar sobre, por exemplo, “personalidade”; abstraem de um conjunto de métodos, práticas, descobertas e teorias para falar sobre “ciência”; abstraem de um conjunto de crenças e rituais para falar sobre “religião”. No entanto, o ministério é uma vocação humana que não se atreve a ser abstrata. O ministério mais fecundo está sempre envolvido com comunidades e pessoas muito concretas.

Na verdade, quando os teólogos e pastores negligenciam o componente pessoal da ciência e a envolvem como se não tivesse implicações tremendas para a vida pessoal dos cientistas, a perda é assimétrica. Os cientistas não fazem ciência menos valiosa se colocarem de lado questões de teologia. Pelo contrário: a ciência é uma disciplina de investigação especializada. Mas é precisamente isso que a teologia e o ministério não são. Um amigo meu gosta de dizer que a maioria das disciplinas acadêmicas procuram saber tudo sobre algo—mas a teologia afirma saber algo sobre tudo. Como teólogos e pastores devemos ao mundo uma consideração tão completa quanto possível, dadas as nossas limitações humanas. O nosso fazer teológico, pregação e cuidado pastoral não podem dar-se ao luxo de ignorar campos inteiros de esforços, especialmente aqueles que tanto fornecem informações tão importantes sobre o mundo e que tão diretamente interferem na vida das pessoas que os praticam.

E se há uma coisa que os cristãos deveriam insistir quando abordamos as questões da ciência e da religião, me parece que é a primazia das pessoas—as pessoas que praticam a ciência, e as pessoas que são afetadas pela sua prática. As pessoas são, para usar uma palavra de nada menos do que o movimento do design inteligente, irredutivelmente complexas. Não tenho a certeza de que, em termos evolutivos, o flagelo bacteriano seja irredutivelmente complexo. Mas tenho certeza de que a minha esposa é irredutivelmente complexa. Estou certo de que você é irredutivelmente complexo. Além disso, tenho a certeza de que essa complexidade irredutível exige de mim uma certa reverência.

Também estou certo de que a reverência que você, minha esposa, e eu mesmo exigimos em nossa personalidade irredutível é algo que a ciência não pode, usando seus próprios métodos e práticas, garantir. Na verdade, nem a teologia, nem a religião, consideradas como teorias isoladamente, podem garantir a reverência e o respeito que a nossa personalidade exige.

Somente as comunidades encarnadas podem estimar esses estranhos e maravilhosos seres chamados de pessoas — somente comunidades que conscientemente examinam as práticas da sociedade ao seu redor, e cultivam suas próprias práticas distintas.

A prática da ciência, e as práticas do mundo da tecnologia que emergem da ciência, é uma das características determinantes do nosso mundo, para o bem e para o mal. Essas práticas, em algumas formas, dão vida às mais profundas esperanças que poderíamos ter para o florescimento humano na tradição cristã. Em outras formas, elas colocam mais profundamente em risco o verdadeiro florescimento humano como melhor entendemos baseado na revelação de Deus em Jesus Cristo. Se há um significado para a palavra Ministério, ele deve ter algo a ver com o pastoreio de pessoas em práticas que levem à vida verdadeira.

Algumas das práticas da ciência e de um mundo moldado tecnologicamente fazem exatamente isso; outras fazem exatamente o oposto. Aqueles de nós que ensinam e pregam, e aqueles de nós que são amigos— e até mesmo se casam!—com cientistas, podem oferecer-lhes um presente incalculável se estivermos dispostos a acompanhá-los na sua jornada de formação como cientistas e pessoas. Podemos ajudá-los a compreender que o próprio tecido da sua vocação é potencialmente um meio de graça.

E então, como Esperançoso, podemos encorajar o seu progresso em direção a um destino que vale verdadeiramente a pena, a Cidade Celestial, onde todos os nossos dias serão, como a ciência no seu auge, cheios de maravilha e deleite.

Sobre o autor

Andy Crouch

Andy Crouch é o autor de The Tech-Wise Family: Everyday Steps for Putting Technology in Its Proper Place (2017), Strong and Weak: Embracing a Life of Love, Risk and True Flourishing (2016),  Playing God: Redeeming the Gift of Power (2013) e Culture Making: Recovering Our Creative Calling (2008). Andy foi editor executivo do Christianity Today de 2012 a 2016 e serviu a John Templeton Foundation como estrategista sênior para a comunicação em 2017. Ele serve nos conselhos de administração do Fuller Theological Seminar e do Council for Christian Colleges and Universities. Seu trabalho e escrita foram apresentados no New York Times, The Wall Street Journal e Time—e, mais importante, ele foi elogiado no single “Non-Fiction” de Lecrae em 2014. Vive com a família em Swarthmore, Pensilvânia.


Link da publicação original: http://ministrytheorem.calvinseminary.edu/wp-content/uploads/2016/06/2_crouch.pdf

Republicado também em: https://biologos.org/articles/what-i-wish-my-pastor-knew-about-the-life-of-a-scientist


 ¹N.T.: No original, “nothing-buttery”, uma expressão utilizada para designar o uso falacioso de argumentos reducionistas para fenômenos que exigem explicações mais profundas. A expressão é um neologismo derivado de algo como “nothing-but-ism”.

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