Por Rodolfo Amorim

Na verdade não existe, segundo Kuyper, um conflito básico entre fé e ciência! Nenhuma surpresa. É que a ciência, quando tenta estabelecer a relação entre sujeito e objeto, necessita pressupor pela fé vários princípios não verificáveis racional ou empiricamente. Dentre estes estão: a autoconsciência do investigador; o trabalho acurado dos sentidos na medida em que este fornece informações reais sobre a externalidade; o funcionamento correto das leis do pensamento atuando no sujeito da investigação; fé em algo universal escondido por detrás dos fenômenos especiais; fé na vida; e fé nestes princípios gerais dos quais o sujeito procede em qualquer empreendimento científico (2002: 138).

Em sua obra Sacred Theology, Kuyper parte de uma reflexão interna do próprio processo de fundamentação da ciência, dialogando com propostas empiristas e racionalistas, afirmando a base cristã fundamental do próprio empreendimento científico, o qual o influenciará na proposta de uma ciência cristã. Após explorar os aspectos da relação entre sujeito e objeto Kuyper afirma:

Uma vez que o objeto não produz o sujeito, e o sujeito não produz o objeto, o poder que liga os dois organicamente juntos precisa necessariamente ser buscado fora de ambos (…) e por mais que ponderemos ou tentemos especular, não há forma de conceber como esta relação de afinidade orgânica se apresenta (…) sob a qual o edifício da ciência é erigido, até que às mãos da Escritura Sagrada confessamos que o Autor do cosmos criou o homem no cosmos como micro-cosmos conforme sua imagem e semelhança. (Kuyper, 1980:19)

Um segundo aspecto fundamental na proposta kuyperiana que fundamenta sua proposta de duas ciências é a afirmação de que o sujeito do fazer científico opera basicamente em um processo de encadeamento causal a partir de princípios firmemente estabelecidos em sua consciência. Segundo Kuyper, o grau de certeza que uma pessoa tem de sua convicção não pode ser exposto sem causar a antítese com o resultado científico de outros, se tornando fator marcante no resultado científico. E isto se torna ainda mais presente quando se trata de uma ciência espiritual, cujo objeto é psíquico. A consciência subjetiva de comunidades inteiras, das quais procedem os princípios gerais que orientam o empreendimento científico, operam fortemente na direção das ações humanas, moldando-os conforme seus princípios, seja na ciência, na arte, religião, vida social, e negócios (1980: 49).

Como aspecto de diferenciação básica entre duas propostas científicas está à noção kuyperiana depalingenesis, ou nova criação. A dogmática descreve, segundo Kuyper, a realidade experimentada pelos filhos de Deus, de que ocorre no homem regenerado uma transformação fundamental que está acima da consciência humana, e que a transforma de forma radical, uma regeneração, um nascer de novo, seguido por uma iluminação, que modifica o homem em seu mais interno ser. Esta distinção gerada pela palingênese não é em grau ou especificidade, mas de tipo, como na relação entre uma arvore enxertada e uma selvagem, que gerarão frutos completamente distintos. Segundo Kuyper:

Nos falamos enfaticamente em dois tipos de pessoas. Ambos são humanos, mas internamente são distintos um do outro, e consequentemente sentem um conteúdo distinto emergindo de sua consciência; assim eles encaram o cosmos de diferentes perspectivas, e são impelidos por diferentes impulsos. E o fato de que há dois tipos de pessoas ocasiona a necessidade do fato de que há dois tipos de vida e de consciência de vida, e de dois tipos de ciência. (1980: 51)

Para Kuyper, assim, a aceitação da unidade da ciência seria a negação do fato da palingeneses, e que por princípio conduz à negação da própria religião cristã. Assim, mesmo operando com impulsos em direção ao fim da ciência e utilizando métodos semelhantes, os dois modelos de ciência partem de princípios distintos, e chegarão a resultados distintos, estabelecendo a afirmativa de que no esforço científico destas duas comunidades estão sendo construídos dois edifícios do conhecimento científico, e não um. E embora a palingeneses não interfira sobre a capacidade de apreensão dos sentidos e do uso das leis da lógica, presente no início de qualquer processo científico, a interpretação posterior presente em todas as ciências, seja nas naturais ou espirituais, conduzirá o empreendimento científico a resultados claramente distintos.

Somente a partir de uma cosmovisão cristã abrangente pode a ciência ter o seu domínio restaurado, ser favorecida em sua busca como pela própria glória de Deus, e produzir resultados verdadeiros, em consonância com o estado das coisas na realidade do universo criado por Deus compreendido a partir de sua revelação.


Referências:
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2002.
KUYPER, Abraham. Sacred Theology. Delaware: Associated Publishers and Authors, 1980.

 

 

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