Nossa atual crise ambiental
Por toda a história humana, muitos cuidaram de seu ambiente com enorme zelo, assegurando-se de que pudessem deixar as suas terras para seus filhos e seus netos, em um estado melhor do que as receberam. Outros exploraram seu ambiente para seus próprios fins sem pensar nas consequências futuras, ou foram poluidores do ar, do solo, ou dos mares, causando danos, em alguns casos, irreversíveis. Temos plena consciência, nos países desenvolvidos, da enorme quantidade de lixo, solos e rios contaminados que ficaram como legado da revolução industrial. Em décadas recentes grandes esforços têm sido feitos, com um sucesso considerável, para reduzir a poluição, especialmente do ar e da água, que ocorrem em uma escala relativamente local. No entanto, com os grandes aumentos da população humana e das atividades humanas, nós agora enfrentamos tanto a degradação do meio ambiente em uma escala enorme, quanto a poluição que se estende globalmente. Os problemas ambientais globais estão consistentemente presentes na agenda de políticos, de muitas indústrias e de pessoas de toda parte do mundo. Todavia, os problemas ambientais não são os únicos que têm um impacto global sobre o mundo. Há muitos outros: a pobreza, a disponibilidade de recursos, a segurança e o crescimento populacional. Cada um deles influencia o meio ambiente de algum jeito; todos precisam ser considerados. Os cristãos e a Igreja precisam abordá-los todos, não se deixando intimidar pela dificuldade.
3 Problemas Globais do Meio Ambiente
Destruição da camada de Ozônio
Poluição atmosférica por compostos contendo cloro (CFCs – Clorofluorcarbonetos) usados em certos processos industriais, latas de spray e em refrigeração levaram à destruição parcial da camada de ozônio que protege a Terra da radiação ultravioleta nociva que vem do sol.
Mudança Climática
Causada principalmente pela queima de combustíveis fósseis, as emissões de dióxido de carbono e outros ‘gases estufa’ na atmosfera estão aumentando rapidamente. Se nenhuma ação for tomada para reduzir as emissões, a expectativa é de que o clima irá mudar mais rapidamente do que qualquer período nos últimos 10.000 anos. Isso trará problemas graves para muitos países, especialmente aqueles afetados pelo aumento do nível do mar e pela provável incidência, com maior frequência e intensidade, de extremos climáticos como enchentese secas.
Desmatamento
Em países tropicais, florestas estão sendo derrubadas em um ritmo tal que a área de uma floresta equivalente ao tamanho da Grã-Bretanha está sendo perdida a cada ano. A perda de floresta leva à perda do solo e a uma perda enorme de biodiversidade.
A Mordomia da Terra: Uma visão cristã
A relação entre humanos e a Terra que nos é frequentemente apresentada é a de mordomia. A ideia de que somos mordomos da criação nos traz fundamentalmente a noção de responsabilidade, primeiramente para com Deus, a quem servimos como mordomos – precisamos cuidar da Terra, não como nos apetece, mas como Deus quer que cuidemos. Em segundo, temos a responsabilidade para com o resto da criação, como representantes de Deus.
Uma ilustração sobre a mordomia que pode ser útil é encontrada na tradição Judaico-Cristã na história da criação que encontramos nos primeiros capítulos da Bíblia. Adão e Eva foram colocados em um jardim, o jardim do Éden, ‘para cuidar dele e cultivá-lo’ (Gênesis 2.15 NVI – a palavra para ‘cultivar’ é frequentemente traduzida como ‘servir’). A imagem da terra nos é apresentada como o jardim de Deus e os seres humanos como seus ‘jardineiros’. O que nosso trabalho como jardineiros implica? Eis aqui quatro coisas:
- Um jardim fornece comida, água e outros materiais para dar sustento a todas as formas de vida e à atividade humana. Perceba que a história de Gênesis não menciona apenas comida e água, mas também recursos minerais (Gênesis 2:12).
- Um jardim precisa ser mantido como um lugar belo. As árvores no jardim do Éden eram ‘agradáveis aos olhos’. Ao contemplarmos a criação, experimentamos um sentimento de temor e assombro diante de sua grandeza, complexidade e magnificência (confira em vários Salmos, especialmente 104 e 148). Milhões de pessoas anualmente visitam jardins que foram especialmente projetados para exibir a incrível variedade e beleza da natureza.
- O jardim é um lugar onde os seres humanos podem ser criativos. Somos criados à imagem de Deus (Gênesis 1:26), o que implica que nós, como Deus, devemos ser criativos. Os seres humanos aprenderam a usar seu conhecimento científico e técnico (e.g. para gerar novas variedades de plantas) associados a uma variedade enorme dos recursos da Terra para criar novas possibilidades de vida e de sua apreciação.
- Um jardim deve ser mantido para beneficiar gerações futuras. Grande parte do nosso planejamento e plantio de jardins, certamente, tem em mente as gerações futuras. Todos queremos deixar para a próxima geração uma Terra melhor do que a que herdamos.
Como humanos, o quanto temos assimilado o papel de jardineiros cuidando da Terra? Não muito, é preciso ser dito: mais frequentemente, somos exploradores e perturbadores ao invés de jardineiros. Alguns cristãos entenderam o ‘domínio’ dado aos seres humanos em Gênesis 1:26 (JFA) como licença para explorar descontroladamente. No entanto, os capítulos de Gênesis, assim como outras partes das escrituras, insistem que o governo humano sobre a criação deve ser exercido debaixo de Deus, o governante supremo da criação, com o tipo de cuidado que é exemplificado nessa imagem de humanos como ‘jardineiros’.
Muita conversa e pouca ação
Muitos desses princípios de mordomia do ‘jardim’ estão incluídos, ainda que de forma implícita, em muito do que tem sido escrito sobre meio ambiente. A Cúpula da Terra, evento ocorrido no Rio de Janeiro em junho de 1992, foi a maior conferência internacional de todos os tempos, com mais de 25.000 participantes; de suas convenções e resoluções resultaram milhões de palavras. A preocupação com as causas ambientais tem se tornado muito mais visível. Não nos faltam declarações de ideais ou de ações desejadas. O que, no geral, parece estar faltando, é a capacidade e determinação para levá-los à frente. Muita conversa, mas pouca ação, em comparação.
Sabemos bem as fortes tentações que experimentamos – tanto pessoalmente, quanto nacionalmente – de usar os recursos do mundo para satisfazer o nosso próprio egoísmo e ganância. Não é um problema novo; na verdade, é um muito antigo. Na história do jardim, segundo Gênesis, nos é apresentado o pecado humano e suas consequências trágicas (Gênesis 3); os seres humanos desobedeceram a Deus e não O queriam mais por perto. Esse relacionamento rompido com Deus levou a outros relacionamentos rompidos. Os desastres que vemos por toda parte no meio ambiente denunciam claramente as consequências desse relacionamento rompido.
Quando os cristãos pensam sobre o pecado e o mal que resultam de um relacionamento rompido com Deus, geralmente pensam no pecado contra as pessoas, não contra o meio ambiente. Mas se levarmos a sério a clara responsabilidade de cuidar da Terra que foi dada aos humanos por Deus, precisamos também reconhecer que deixar de cumprir essa tarefa não é apenas um pecado contra a natureza, mas um pecado contra Deus. Já foi sugerido que essa nova categoria de pecado deveria incluir atividades que levaram à ‘extinção de espécies, redução na diversidade genética, poluição da água, solo e ar, destruição de habitats e perturbação de estilos de vida sustentáveis’. Nesse sentido novo de pecado, poderíamos incluir também o de muita conversa e muito pouca ação!
Encarnação e Ressureição: Um futuro para a matéria
Você pode até perguntar: O pecado humano já não arruinou tudo? Tentar cuidar da Terra não é uma batalha já perdida? Há um futuro para a Terra? Alguns cristãos pensam que não. Usando versículos específicos na Bíblia que parecem sugerir que não há futuro para a Terra física, os cristãos já argumentaram com frequência contra o envolvimento com a causa – é apenas a salvação do mal espiritual que importa, dizem eles. Porém, esse tipo de argumento ignora o fato de que os temas centrais da teologia cristã – criação e salvação – estão intimamente ligados. Eles estão unidos pela encarnação e ressureição de Jesus.
Então, embora existam notícias ruins, também existem notícias boas. O fracasso humano e o pecado não encerraram os propósitos de Deus para os seres humanos. Quando, em Jesus, Deus se tornou humano – na encarnação – Ele demonstrou o mais completamente possível o comprometimento de Deus com o mundo material. William Temple, Arcebispo de Canterbury há 60 anos atrás, escreveu: “A expressão mais central do cristianismo é, ‘o Verbo se fez carne’ (João 1:14) … Pela própria natureza de sua doutrina central, o cristianismo tem o compromisso com uma crença… na realidade da matéria e o seu papel no plano divino.”
É a ressureição de Jesus que é a chave para a nossa esperança para o futuro. Quando Jesus ressuscitou dos mortos Ele não abandonou a ordem da matéria criada; ao contrário, Ele demonstrou o Seu poder de transformar aquela ordem. O Professor Oliver O’Donovan de Oxford escreveu: “Pode até ser que… antes de Cristo ressurgir dos mortos, alguém questionasse se a criação era uma causa perdida… A esperança a que chamamos ‘Gnóstica’, a esperança de sermos redimidos da criação, ao invés da criação ser redimida, pode ter parecido a única esperança possível.”
Mas não somos gnósticos. São Paulo aborda esse tema da redenção da criação em uma passagem extraordinária em Romanos 8:20-21. “A criação aguarda”, ele diz, “com ardente expectativa. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus”.
A ênfase na ressureição e na redenção continua no Apocalipse, onde nos é apresentada a maravilhosa visão que João teve dos novos céus e da nova Terra – uma Terra redimida e transformada com pessoas redimidas vivendo nela!
Portanto, há um futuro para a Terra! Precisamos de uma teologia da criação que inclui como temas centrais tanto a Encarnação, quanto a Ressureição – rochas sobre as quais uma teologia da criação precisa ser construída. Jesus Cristo é figura central em todo o nosso pensamento sobre a criação – e a criação é parte de um futuro que ele veio estabelecer.
Parceria com Deus
A mordomia da Terra na prática é obstruída por problemas de egoísmo humano e ganância que levam à exploração exagerada dos recursos da Terra; e também pelo problema da impotência humana – sabemos o que fazer, mas nos falta a vontade de fazê-lo. Podemos, desesperados, pensar que o problema vai além da capacidade humana de resolvê-lo adequadamente. O problema, na verdade, é espiritual.
Mas é aqui que a doutrina cristã da salvação é particularmente relevante – não é apenas ser ‘salvo de’, é ser ‘salvo para’. Uma mensagem religiosa importante, aliás essencial, é que não precisamos carregar a responsabilidade de cuidar da Terra sozinhos. Nosso parceiro é, nada mais nada menos, que o próprio Deus.
A história do jardim em Gênesis contém uma bela descrição dessa parceria quando fala que Deus ‘passeava no jardim, pela viração do dia’ (Gênesis 3:8). Podemos perguntar: o que será que Deus, Adão e Eva conversavam naquelas caminhadas de fim de tarde? Eles certamente conversavam sobre o jardim e como os humanos vinham descobrindo e cuidando dele.
Na mensagem cristã, o material e o espiritual estão intimamente ligados. Jesus, certa vez, disse aos seus discípulos, ‘Sem mim, nada podeis fazer’ (João 15:5). Isso geralmente é interpretado como se estivesse relacionado particularmente à esfera espiritual e à atividade religiosa, mas Jesus não classificou desse jeito – pode se aplicar a tudo o que fazemos. Afinal, cuidar da Terra também é trabalho de Deus.
Além disso, Jesus explicou para os seus discípulos que não estava lhes chamando para serem servos, mas amigos (João 15:15). Servos recebem instruções sem explicação; como amigos, somos incluídos na confiança do nosso Senhor. Não recebemos prescrições de ações precisas, mas espera-se que usemos os dons que nos foram dados para cumprir nossas tarefas em uma parceria genuína.
Dentro da própria criação existe um enorme potencial para nos auxiliar nessa tarefa; a busca do conhecimento científico e a aplicação da tecnologia são parte essencial da nossa mordomia. Ambas precisam ser abordadas e usadas com a devida humildade.
Uma compreensão clara das responsabilidades que nos foram dadas, combinadas com a confiança na presença de Deus e sua confiabilidade, é a mistura que faz a mordomia algo empolgante e desafiador.
Por que cuidar da Terra?
- A Terra é do Senhor (Salmo 24:1). Deus é o seu criador e o Senhor da Criação.
- A unidade da criação. Os insights da ciência moderna contêm uma mensagem forte de que somos parte de um mundo maior de todos os seres viventes. Cada vez mais estamos conscientes de nossa dependência do resto da natureza e das interdependências entre formas de vida diferentes e entre sistemas vivos e o ambiente físico e químico que envolve a vida na Terra.
- É uma boa criação – boa por causa da sua unidade, da sua diversidade e sua beleza. A história da criação, bem no início da Bíblia, afirma isso sete vezes – ‘Viu Deus tudo quanto tinha feito e viu que era muito bom’. O Velho Testamento ilustra continuamente esse tema, particularmente em sua poesia que foi redigida no contexto da economia agrícola do povo de Israel e da terra que lhes foi dada. Nos evangelhos, encontramos Jesus derivando muitas de suas parábolas a partir do mundo natural, que ele claramente apreciava e Paulo em suas epístolas faz comentários majestosos sobre a criação. Nem todas as religiões e ideologias são assertivos em relação ao quanto a criação é boa. Muitos consideram que a matéria é essencialmente má, ilusória, ou sem importância. Alguns cristãos, ao tentarem enfatizar o espiritual, esqueceram o quão central é o tema da criação – uma boa criação – para a mensagem cristã.
- Aos humanos foram dadas por Deus instruções claras para cuidarem da Terra. De acordo com a história da criação em Gênesis (Gênesis 1:26, 2:15) uma parte chave do propósito de Deus em criar as pessoas, foi para cuidar do resto da criação.
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Desafios – Resumo
- O mundo está enfrentando crises ambientais de uma magnitude sem paralelo, incluindo algumas a nível global.
- Cuidar da Terra é uma responsabilidade dada por Deus. Não cuidar da Terra é pecado.
- Os cristãos precisam reenfatizar que as doutrinas da criação, encarnação e ressureição devem andar juntas. O espiritual não deve ser visto como separado do material. Uma teologia mais aprofundada do meio ambiente precisa ser desenvolvida.
- Nossa mordomia da Terra, como cristãos, precisa ser desenvolvida em dependência e em parceria com Deus.
- A aplicação da ciência e tecnologia é um componente importante da mordomia. A humildade é um ingrediente essencial na busca e aplicação da ciência e tecnologia – e no exercício da mordomia.
- Tudo isso oferece uma enorme oportunidade à igreja, que há muito vem ignorando a Terra e o meio ambiente e negligenciando a importância da criação e do seu lugar na mensagem cristã em geral.
Esses temas podem impactar fortemente as pessoas modernas obcecadas com o material e podem ajudar a demonstrar o valor da fé cristã para pessoas que não veem nenhum sentido nela e nenhuma relevância na mensagem espiritual que queremos trazer. Um forte desafio para a igreja de hoje é o de incluir preocupações ambientais como parte de sua missão.
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Esse resumo foi preparado para The John Ray Initiative por Sir John Houghton, CBE, FRS. É baseado em uma Drawbridge Lecture dada em 1996 para a Christian Evidence Society. Agradecimentos aos Membros da JRI e outros pelos comentários construtivos.
Sir John Houghton foi co-presidente do Scientific Assessment Working Group para o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e membro do Government Panel on Sustainable Development. Desde 1991 até 1998 ele foi o Presidente da Royal Comission on Environmental Pollution. Ele é autor de diversos livros, incluindo: ‘Global Warming – The Complete Briefing’ e ‘The Search for God – can Science Help?’.
Leitura adicional
- The Care of Creation ed. R J Berry, IVP, 2000
- Al Gore Earth in the Balance Houghton Mifflin, 1992
- Global Environmental Outlook 2000, United Nations Environment Programme 1999, está disponível online em http://www.unep.org/geo2000/
- Ron Elsdon Greenhouse Theology Monarch, 1992
- Lawrence Osborn Guardians of Creation Apollos, 1993
- Colin Russell The Earth, Humanity and God
- UCL Press, 1994
- John Houghton Global Warming: the complete briefing (2nd edition) CUP, 1997
- Ghillean Prance The Earth under threat: a Christian perspective Wild Goose Publications, 1996
The John Ray Initiative
A John Ray Initiative promove mordomia ambiental responsável de acordo com os princípios cristãos e o uso prudente da ciência e tecnologia. A JRI organiza seminários e dissemina informação sobre mordomia ambiental.
A inspiração para a JRI vem de John Ray (1627-1705), naturalista inglês, teólogo cristão e primeiro biólogo sistemático dos tempos modernos, precedendo Lineu.
Artigo original: https://jri.org.uk/wp-content/uploads/2020/08/bp1_christianchallenge.pdf