Esta é a terceira de uma série de seis partes considerando perguntas que cristãos leigos trazem aos seus pastores quando apresentados ao ensinamento de que a evolução biológica e a ortodoxia bíblica podem ser compatíveis. Nos dois primeiros posts, Dr. Keller deu uma visão geral da tensão entre os relatos bíblicos e científicos sobre a origem, do ponto de vista pastoral, e dirigiu-se ao conflito entre evolução e uma leitura literal de Gênesis. Neste post, ele argumenta que um relato evolucionário das origens não necessariamente diminui a dignidade humana.
Leia a parte 2 aqui.
Três perguntas dos cristãos leigos
Pergunta 2: Se a evolução biológica é verdade, isso significa que somos apenas animais conduzidos por nossos genes e tudo sobre nós pode ser explicado pela seleção natural?
Resposta: Não. A crença na evolução como um processo biológico não significa o mesmo que a crença na evolução como uma visão de mundo.
Hoje em dia muito esforço tem sido feito para insistir que a crença no processo de evolução biológica leva necessariamente à crença no “naturalismo perene” (para usar o termo de Alvin Plantinga) 10, a visão de que tudo sobre a natureza humana – nossa capacidade de amar, agir, pensar, formar crenças, usar linguagem, ter convicções morais, crer em Deus, e fazer arte e filosofia, podem ser entendidas como originárias de mutação genética aleatória ou alguma outra fonte de variabilidade, e portanto prevalecem hoje em dia na raça humana só por causa dos mecanismos de seleção natural. Podemos sentir que alguns comportamentos são universalmente corretos e devem ser realizados, enquanto outros são universalmente errados e não devem ser feitos, independente destes comportamentos promoverem a sobrevivência. Mas o naturalismo perene insiste que esses sentimentos estão lá não por serem verdades universais, mas única e exclusivamente por terem ajudado nossos antepassados a sobreviver.
Um dos princípios fundamentais dos “novos ateus” é que o naturalismo perene flui automaticamente a partir da crença na evolução biológica das espécies. Um grande exemplo foi dado por Sam Harris, ao rechaçar a nomeação de Francis Collins como chefe do National Institutes of Health (NIH – Agência do Departamento de Saúde do governo estadunidense). Harris se mostrou profundamente preocupado de que Collins, como um crente cristão, entende que a natureza humana tem aspectos que a ciência não pode explicar (como a intuição da lei moral de Deus). Collins nega, portanto, que a ciência poderia fornecer “respostas para as questões mais prementes da existência humana”. Isto incomodava Harris. Ele escreveu:
“Como alguém que acredita que nossa compreensão da natureza humana pode ser derivada da neurociência, psicologia, ciência cognitiva, economia comportamental, entre outros, estou preocupado com a linha de pensamento do Dr. Collins… Devemos realmente confiar o futuro da investigação biomédica nos Estados Unidos para um homem que acredita sinceramente que uma compreensão científica da natureza humana é impossível?” 11
O argumento aqui é claro. Se você acredita que a vida humana foi formada através de processos biológicos de evolução (daqui em diante, referido como PBE), você deve acreditar na Grande Teoria da Evolução (daqui em diante, referido como GTE) como a explicação para todos os aspectos da natureza humana. Assim diz Harris: Collins deveria ver que os seres humanos não têm “alma imortal, livre arbítrio, conhecimento da lei moral, fome espiritual, verdadeiro altruísmo”, baseado em nossa relação com Deus 12. A evolução, afirma Harris, tem mostrado que estas coisas são ilusões. Todos os aspectos da vida humana tem uma causa natural, cientificamente explicável. Se você acredita em PBE, você deve acreditar em GTE.
A GTE está rapidamente se tornando o que Peter Berger chama de “estrutura de plausibilidade”. É um conjunto de crenças consideradas tão básicas e com tanto apoio de figuras e instituições oficiais que se torna impossível que indivíduos as questionem publicamente. Uma estrutura de plausibilidade é uma “verdade dada” apoiada por uma enorme pressão social. Os escritos dos novos ateus são importantes de serem observados aqui, pois suas atitudes são mais poderosas do que seus argumentos. O desprezo e recusa ao mostrar qualquer respeito aos adversários não é realmente um esforço para refutá-los logicamente, mas para bani-los socialmente, de forma a transformar seus próprios pontos de vista em uma estrutura de plausibilidade. Eles já estão bem encaminhados.
Isso cria um problema para o cristão leigo, ao ouvir seus professores ou pregadores dizendo que Deus poderia ter usado PBE para criar formas de vida. Evolução como uma ‘Grande Teoria’ está sendo usada agora, no nível popular, para explicar quase tudo sobre o comportamento humano.
Muitos cristãos leigos resistem a tudo isso e buscam se ater a algum senso de dignidade humana, subscrevendo ao “Criacionismo Fiat”. Este não é um movimento teológico e filosófico sofisticado. É intuitivo. Na mente destes, ‘evolução’ é uma grande bola de cera. Parece-lhes que, se você acredita na evolução, os seres humanos são apenas animais sob o poder de seus desejos internos, geneticamente produzidos. Tenho visto cristãos participantes de um estudo bíblico em Gênesis 1-2 lerem a seguinte citação e ficarem confusos:
“Se ‘evolução’ é… elevada ao status de uma cosmovisão que explica a forma como as coisas são, então há conflito direto com a fé bíblica. Mas se ‘evolução’ permanece no nível da hipótese biológica científica, parece que há pouca razão para conflito entre as implicações da fé cristã no Criador e as explorações científicas sobre a maneira pela qual – ao nível da biologia – Deus tem realizado seus processos de criação” 13
Atkinson está dizendo que você pode acreditar em PBE e não em GTE. Eu vi cristãos inteligentes e educados com real dificuldade em relação à distinção que Atkinson fez. No entanto, esta é exatamente a distinção que devem fazer, ou nunca vão conceder a importância da PBE.
Como podemos ajudá-los? Eu acredito que pastores, teólogos e cientistas cristãos que querem defender um relato da origem por meio de PBE devem ao mesmo tempo colocar grande ênfase em argumentar contra GTE. Filósofos cristãos abriram o caminho aqui e há muitas boas críticas ao naturalismo filosófico. Muitos sabem sobre “O Argumento Evolucionário contra o Naturalismo” de Alvin Plantinga, no qual, assim como C. S. Lewis em seu livro Milagres, ele argumenta que “A evolução está interessada (assim por dizer) apenas no comportamento adaptativo, não em uma crença verdadeira. A seleção natural não se importa com o que você acredita; está interessada apenas em como você se comporta.” 14 O argumento é o seguinte: será que a seleção natural (por si só) nos dá faculdades cognitivas (percepção sensorial, a intuição racional sobre essas percepções e nossa memória delas) que produzem crenças verdadeiras sobre o mundo real? Na medida em que a crença verdadeira produz comportamento que leva à sobrevivência, sim. Mas quem pode dizer o quão longe podemos chegar com isso? Se uma teoria torna impossível confiarmos em nossas mentes, em seguida, ela também torna impossível ter a certeza sobre qualquer coisa que nossas mentes nos dizem – incluindo a própria macro-evolução e tudo mais 15. Qualquer teoria que torna impossível confiarmos em nossas mentes é auto-destrutiva.
Outra área muito importante onde devemos resistir à GTE é em relação aos seus esforços para explicar intuições morais. Uma excelente publicação recente em que, mais uma vez, os filósofos cristãos lideram a discussão é de Jeffrey Schloss, ed. The Believing Primate: Scientific, Philosophical, and Theological Reflections on the Origin of Religion (Oxford, 2009.) Veja em especial o capítulo de Christian Smith “O Naturalismo Garante uma Crença Moral na Benevolência Universal e Direitos Humanos?” (Por sinal, a conclusão é ‘não’.) Então o que isso significa? Muitos cristãos ortodoxos que acreditam em PBE encontram-se frequentemente atacados por aqueles cristãos que não acreditam da mesma forma. Podemos reduzir as tensões sobre a evolução entre os cristãos se eles se unirem contra uma causa comum: GTE. Mais importante ainda, é a única maneira de ajudar os cristãos leigos a fazer em suas mentes a distinção entre a evolução como mecanismo biológico e a evolução como uma Teoria da Vida.
Na próxima parte, o Dr. Keller continua a explorar as questões mais frequentemente levantadas sobre evolução e fé por cristãos leigos, voltando-se para questões sobre as origens do pecado e sofrimento à luz da confiabilidade das Escrituras.
Leia a parte 4 aqui.
10 Plantinga vê duas grandes alternativas às visões religiosas ortodoxas: a) naturalismo perene; b) anti-realismo criativo—a visão frequentemente chamada de ‘pós modernismo’ ou ‘pós estruturalismo’. Ver “Christian Philosophy at the End of the Twentieth Century” em The Analytic Theist: An Alvin Plantinga Reader (Eerdmans, 1998.)
11 Sam Harris, “Science is in the Details”, New York Times, July 26, 2009.
12 Ibid.
13 David Atkinson, The Message of Genesis 1-11 (The Bible Speaks Today Series), p.31.
14 A.Plantinga, “Naturalism Defeated” 1994, disponível em http://www.calvin.edu/academic/philosophy/virtual_library/articles/plantinga_alvin/naturalism_defeated.pdf
15 Este argumento é trabalhado em detalhe em A. Plantinga, Warrant and Proper Function (Oxford, 1993) cap 12. Veja também William C. Davis, “Theistic Arguments“, Michael J. Murray, ed. Reason for the Hope Within(Eerdmans, 1999) p. 39.
Publicado originalmente em http://biologos.org/blogs/archive/creation-evolution-and-christian-laypeople-part-3
Traduzido por Leopoldo Teixeira
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