religião e negócios

por Raoni Barros Bagno

Janeiro de 2020

Introdução

Ao longo do ano de 2019 e primeiros dias de 2020 tive a oportunidade de desenvolver um estágio pós-doutoral em uma das regiões mais profícuas do mundo em desenvolvimento científico e tecnológico. Fui recebido no Babson College, nos arredores da cidade de Boston, Estados Unidos.

Com seu campus principal na cidade de Wellesley, Massachusetts, o Babson College é um líder global em educação no campo do empreendedorismo e inovação. A instituição tem sido considerada a melhor escola de negócios para empreendedorismo dos Estados Unidos por mais de 20 anos pelo U.S. News & World Report e figura consistentemente na parte superior de vários rankings de avaliação de instituições de ensino norte-americanas como Financial Times, Forbes e Entrepreneur magazine. Fundado por Roger W. Babson em 1919, recentemente o Babson College chegou ao seu centésimo aniversário.

Os corredores do Babson College ecoam a todo momento termos como Machine Learning, planos de negócio, oportunidades, design thinking, blockchain, capital de risco, startups, e muitos outros. Quem é do ramo sabe do que estou falando. Empreendedorismo é basicamente o ar que ali se respira, as estruturas funcionam para ele como um templo moderno e as novas tecnologias e métodos o deixam mais tangível. Não há como passar por ali e ser indiferente a este ambiente intrigante e dinâmico. Olhando para suas origens e inspiração original, figuras de pessoas que contribuíram para com a trajetória da instituição são lembradas a todo momento nos nomes dos prédios, de organizações internas, eventos e concursos e homenagens em ocasiões especiais. Naturalmente, Roger Babson também se espalha pelo campus, desde sua estátua, quadros com fotos ilustrando fatos e pensamentos provocativos e até seu próprio túmulo. 

Vi este ambiente especialmente pulsante no ano de seu centenário. Contudo, uma desconfiança de que haveria mais riqueza e profundidade na contribuição do próprio Babson do que o que ali se destacava me provocou a conhecer um pouco mais sobre ele e, ainda mais, sobre os pensamentos que ele tinha na época de fundação dessa instituição. Buscando o que Babson havia produzido em forma escrita nesta época, deparei-me com um interessante livro – Religion and Business 1, ou, para nós, Religião e Negócios, publicado em 1920. Adquiri logo uma cópia física, mas os vários desafios de minha jornada não me permitiram debruçar sobre ela até as semanas finais de minha estada. Ao lê-la, contudo, senti-me impelido a preparar a presente resenha e compartilhar algumas ideias aparentemente soterradas, mas que continuam gritando pelos escombros.

Não me considero suficientemente habilidoso para gerar um texto deste tipo sem infringir alguma regra da boa escrita. Vou tentar usar verbos em tempos simples, mas deixar claro sempre que possível o que é a narrativa dele o que são minhas observações. Obviamente o relato é incompleto e refém dos meus olhos, que destacam ou saltam pontos conforme meus interesses próprios. Uma leitura direta da fonte original sempre será a melhor amostra.

Vale notar desde o início que Babson é as vezes um pouco rude em sua forma de colocar as coisas. Algo típico e talvez comum na visão de um empresário de sua época. Por vezes me senti relendo algumas coisas de Taylor ou Ford. Mas há também bastante ousadia – ele coloca de forma direta pontos polêmicos que um autor mais moderno talvez optasse por dar muitas voltas para expor em nome da boa estética. 

Outra ponderação necessária é que as coisas que coloco aqui nem sempre estão na ordem do livro. Às vezes Babson parece escrever como um livre pensador – volta em alguns assuntos já ditos ou espalha uma ideia ao longo de trechos distantes um do outro do livro. Procurei organizar a casa como melhor me pareceu.

Antes, contudo, de iniciarmos a navegar no livro em si, convido o leitor a vir comigo em um tópico mandatório se quisermos exercer um mínimo de exegese. Neste, falarei de maneira um pouco mais geral de Roger Babson e do contexto em que vivia. Após estes, farei uma exposição capitular do livro Religion and Business e agregarei algumas reflexões próprias em um tópico final. 

Roger babson

Um pouco sobre Roger Babson e o contexto em que vivia

Roger Babson, um cristão bastante compromissado, foi também um importante empreendedor norte-americano, economista e consultor de negócios. Apesar de seu forte interesse em negócios demonstrado desde a juventude, seu pai o direcionou para uma educação técnica rigorosa no Massachusetts Institute of Technology – MIT, realizada entre os anos de 1895 e 1898. À época, ele sentia que sua instrução era muito baseada naquilo que já havia sido alcançado ao invés de antecipar possibilidades futuras e considerava que seus professores haviam falhado em prever as grandes indústrias do século XX como a automotiva, aviação, cinematográfica, fonográfica e rádio 2

Uma característica marcante de Roger Babson era não recuar diante dos reveses. Em adição a suas buscas nas áreas de educação e negócios, Babson era ativamente engajado em religião, política e avanços científicos. Uma das grandes distinções de Roger Babson foi ter sido o primeiro analista financeiro a prever a quebra da bolsa de valores em outubro de 1929 à qual seguiu-se grande depressão na economia capitalista na década seguinte. Babson concorreu ainda à presidência dos Estados Unidos em 1940 pelo Partido da Proibição . Em um grupo de 8 candidatos, ele terminou em terceiro lugar, atrás de Franklin Roosevelt e Wendell Willkie. 

Ao longo de 33 anos, Babson escreveu 47 livros (incluindo sua autobiografia), cobrindo tópicos nas áreas de negócios, educação, saúde, indústria, política, religião, condições sociais e viagens 2. Tinha verdadeiro fascínio pela lei da ação e reação de Newton, a qual dizia ter transbordamentos para todos os campos da vida. Ao relembrar ensinamentos de Cristo como não julgue para não ser julgado ou ame ao próximo como a ti mesmo, Babson entende que tais noções nada mais são do que manifestações dessa lei, que seria então muito mais nobre e muito mais ampla que seu conceito no campo da física. Em 1949 ele viria a incluir tal lei no título de sua autobiografia: “Actions and reactions: an autobiography of Roger W. Babson”.

Ao longo de sua longa vida e muitas empresas, Roger Babson se destacava por prever e motivar mudanças, ao mesmo tempo em que se mantinha engajado com seus fundamentos espirituais e valores éticos. Segundo ele, não estaria em adquirir conhecimento a principal necessidade dos jovens para o alcance do sucesso. Antes, viriam qualidades básicas como integridade, imaginação, bom senso, autocontrole e uma disposição à luta e ao sacrifício. Muitas das pessoas já disporiam de muito mais conhecimento do que o que o que efetivamente usam, mas ainda careceriam de um caráter apropriado para possibilitar sua adequada aplicação. Assim, segundo ele, o sucesso real em negócios resultaria muito mais das qualidades acima mencionadas do que do dinheiro, títulos ou status social.  

Outro fascínio claro de Babson estava em falar sobre o futuro. Talvez motivado pela sua ligação com a estatística – em 1904 ele fundou a Babson’s Statistical Organization voltada à análise do mercado de ações e relatórios empresariais – ele gostava de exercitar habilidades preditivas baseadas em análises de dados. Como o próprio Babson escreve em um de seus livros, o futuro tende a repetir o passado se mantidas as mesmas condições. Não é, portanto, raro na lista de livros publicados por ele encontrar títulos como “O futuro de…”. Nestes livros Babson sempre mesclava espontaneidades de seu pensamento com inspirações trazidas pelos números com os quais gostava de lidar. 

Roger Babson tinha 45 anos quando escreveu Religion and Business. Nasceu em Gloucester, litoral norte do estado do Massachusetts, mas já morava em Wellesley Hills quando escreve o livro. A região, que inclui outros estados do nordeste do país, não é chamada de Nova Inglaterra à toa: a cidade de Boston foi fundada antes da revolução americana, é o grande centro regional e é temperada por um intenso sentimento de amor à pátria e ativismo sócio-político. Uma caminhada na famosa Freedom Trail e as camisas do Patriots (um dos maiores clubes da liga de futebol americano) espalhadas pela cidade são ilustrações destas características. 

Adicionalmente, o espírito industrial é marca registrada da região. Gloucester é exatamente o ponto final da rota 128 – famosa rodovia estadual que também cede o nome para um dos principais parques tecnológico-industriais do mundo. Formado pelas várias empresas e universidades espalhadas em seus arredores, a rota 128 já impulsionava a economia norte-americana muitas décadas antes de despontar o hoje famoso Vale do Silício, localizado da costa oposta 3. Em termos acadêmico-científicos basta dizer que a região é a casa de instituições como Harvard, MIT, Boston University, Northeastern University, além de várias outras vizinhas entre si por poucas milhas. Incluído aqui, obviamente, está o próprio Babson College na cidade de Wellesley.

Bom, estamos em 1920 e a primeira guerra mundial terminara há pouco. Naturalmente, muitas reflexões de Babson faziam também menção a questões da guerra e seus aspectos geopolíticos. No setor industrial, Ford T, o pioneiro veículo das linhas de montagem em série, ainda seria montado até 1927, mesmo ano de lançamento do filme Metropolis, famoso drama construído em torno de tensões entre o empresariado e a classe trabalhadora. Mais conhecido talvez seria o drama romântico de Chaplin em tempos modernos, mas este já é dos anos 1930 e já traz retratos da grande recessão econômica que Babson previra. Vale dizer que os sindicatos vinham se organizando aceleradamente desde o século anterior e sua força e poder de organização cresciam proporcionalmente ao crescimento da própria indústria e da concentração urbana.

religião e negócios

 

Religião e Negócios

Roger Babson prefacia o livro justificando o uso da palavra “religião”, dizendo não estar ele mesmo muito satisfeito com o termo para o qual ele atribui e desenvolve do longo do livro um significado bastante amplo, como veremos aqui. Ele reconhece que há muita religião fora das igrejas e que muitas outras organizações são geradoras de religião tanto quanto as próprias igrejas.

O autor usa com frequência um personagem genérico – o homem de negócios – para dizer em terceira pessoa suas impressões e talvez trazer impressões de seus colegas no mundo do business. De fato, Babson discursa na posição de um homem de negócios, um executivo, mas também como um cristão ativo e parte da membresia da igreja. Por vezes invoca ainda sua formação em estatística para realizar algumas afirmações (nem sempre baseadas em números) em que parece querer valer-se de um argumento de caráter mais científico. Estas perspectivas se alternam e às vezes debatem entre si ao longo do texto, o que dá o tom de sua dinâmica.

Iniciando com uma reflexão sobre o executivo em relação à igreja no primeiro capítulo, é destacado que este homem é por natureza desconfiado e detalhista dado o fato de que sua posição e propriedade estão em constante risco. Por estas características, a igreja não seria algo atrativo para o executivo típico daqueles tempos como se gostaria que fosse. Nas páginas que se seguem, Babson alterna visões críticas e entusiásticas da igreja.

Ressaltando a importância da igreja, o autor coloca que ela não é somente a maior indústria do mundo, mas também a mais antiga. Dela vieram educação, medicina, arte, agricultura, e a maior parte das ciências. Vários ramos da civilização moderna devem sua concepção à igreja. Contudo, da perspectiva de um homem de negócios, chama a atenção a ineficiência com a qual as igrejas operam. Abertas somente alguns poucos dias na semana, a taxa de uso de suas propriedades não passaria dos 10%. Os métodos de trabalho, incluindo as escolas dominicais – na visão de Babson uma base de treinamento imprescindível – seriam ultrapassados e contariam com professores destreinados e pouco experientes. Pouco do sistema típico das igrejas parece soar como algo sério na visão do executivo. Ainda assim, Babson enxerga a força da igreja ao argumentar que, se a igreja se mantém firme de pé mesmo com tantas falhas, é porque o que a sustenta deve ser muito mais forte do que aquilo que se vê na superfície. 

Um aspecto que incomoda o autor em especial é que, apesar de ser a grande instituição do mundo, a igreja sabe muito pouco a mais sobre Deus e suas ideias do que já sabia centenas de anos antes. Aqui o autor endereça um forte recado aos protagonistas de batalhas denominacionais – como poderíamos pressionar nossas ideias nos outros para que passem a ver as coisas como nós vemos se não sabemos praticamente nada sobre aquilo que estamos tentando impor? O assunto das questões denominacionais vem ganhar atenção em páginas posteriores da obra. Aqui ele invoca características da pessoa da Cristo, que condenou veementemente o criticismo injusto e salientou que poderíamos ferir fortemente aos outros com nossas línguas. Neste contexto, especial importância seria dada à confiança mútua, ao não julgamento e à consideração pelos outros. 

A implicação que Babson pretende trazer para seu debate sob o olhar do executivo é clara: seria incompreensível para este que algumas pessoas fossem tão minuciosas com relação a aspectos particulares da religião (e ele respeita a razoabilidade de tais minúcias), mas deixassem facilmente para trás as grandes questões fundamentais da justiça, generosidade e serviço que Jesus ensinara. Ele salienta, contudo, que não há mais e nem menos hipocrisia na igreja daqueles dias do que provavelmente haveria em qualquer outro tipo de organização. Um a cada doze seria a taxa de traidores na época de Cristo e se manteria assim para aqueles dias, tanto nas igrejas quanto em outros ambientes e organizações.

No segundo capítulo Roger Babson parafraseia um antigo dito que, em língua portuguesa, conhecemos como “pai rico, filho nobre, neto pobre”. A expressão sintetiza uma dinâmica familiar em que uma primeira geração constrói riqueza e seus filhos herdam essa riqueza. Contudo, estes não conheceram os percalços percorridos para atingir a riqueza e sem desenvolver caráter e habilidades necessários para gerenciá-la adequadamente, a perdem. A consequente pobreza passa então a ser a realidade dos filhos dos filhos da primeira geração. 

O ponto é que Babson usa a analogia para se referir não somente aos negócios, mas à caminhada das igrejas ao substituir a riqueza financeira na redação pelo apreço com as questões da fé – mas como o autor vê uma mente renovada pela religião como a mais preparada também para construir e desfrutar de sucesso nos negócios, seu raciocínio caminha junto nas duas dimensões. Prova disso é que ao final do capítulo ele afirma que há algo de errado se as igrejas são compostas somente de pessoas pobres e os mais ricos estão todos de fora – ao menos no contexto socioeconômico em que vivia. Ao final desta reflexão, ele não hesita em dizer que igrejas “meio mortas” de pessoas desleixadas com sua fé e sem o compromisso de impacto dessa fé na saúde e prosperidade da comunidade, fazem belo favor a todos se desaparecem por completo. 

Babson não tem dúvidas de que, estivesse Cristo ali em seus tempos, Ele daria grande valor ao cientista, ao inventor, ao professor, e a todos aqueles que impulsionam a produtividade da sociedade de forma honesta e por meio dos dons e talentos dados por Deus. Sua regra prática para decidir sobre o que é “certo” ou sobre o que é “errado” em muito se apoia neste entendimento. Se algum costume ou prática serve para nos desenvolver e fazer-nos mais eficientes e melhores no longo prazo, é aprovável; se, ao contrário, são coisas que nos enfraquecem física, mental ou espiritualmente, são reprováveis. Antes que alguém confunda as ideias de Babson com outras abordagens mais contemporâneas de prosperidade, ele afirma que a igreja não poderia de forma alguma prejudicar o fluxo do progresso; mas ela precisa assumir o papel de direcionadora desse fluxo.

No terceiro capítulo ele se volta a um dos tópicos mais quentes para o empresário de sua época (e que são quentes ainda hoje): as relações entre patrões e empregados. Interessantemente, ele dedica boa parte da discussão inicial deste tópico à necessidade de expressão do ser humano, concluindo que as pessoas tendem a se engajar naturalmente com grupos e instituições que reconhecem suas necessidades e dão-lhes espaço para se expressar. Na medida em que as igrejas não satisfazem essa demanda, outras instituições tomam esse espaço e ganhariam não somente a simpatia, mas a dedicação voluntária das pessoas. Seria este o caso dos sindicatos de trabalhadores. 

Babson respeita o direito de os trabalhadores se organizarem e vê o sindicato como forma plenamente legítima desse tipo de organização. Mas salienta, contudo, que tais instituições carecem de maior maturidade para fazer a leitura que ele considerava adequada – e mais produtiva para todos – do cenário econômico. Ele sempre destaca que aumentos salariais desacompanhados de melhorias de eficiência na produção culminam cedo ou tarde com aumentos nos custos de vida, impactando os próprios trabalhadores assalariados e reiniciando os ciclos de reivindicações. Ademais, por mais que sejam mecanismos legítimos, ele não deixa de reforçar que as greves tornam a sociedade ainda mais ineficiente ao desperdiçar recursos de produção.

Não por estes argumentos Roger Babson se mostra favorável à prática típica dos empregadores. Para ele, os patrões tratariam as questões dos empregados assim como alguns pais tratariam filhos adolescentes, utilizando-se de ameaça e força. Nisso também entra sua ideia de eficiência de produção: como não há nada construtivo no uso da força, haveria pouco valor no trabalho caso ele não fosse realizado a partir da boa vontade dos que o exercem. Aqui o autor também vê aplicação da lei de ação e reação: confiança é a reação natural ante confiança, o mesmo valendo para afeição e proteção. Nessa linha, os empregadores deveriam trabalhar por seus empregados, protegendo-os em seus sindicatos e no seu desejo de auto expressão. O segredo do sucesso estaria sempre em se fazer mais do que é mandado, e tal voluntariedade jamais ocorreria por qualquer tipo de imposição. Se alguma dúvida ainda restasse após tais palavras, o autor prossegue baseado no exemplo da própria igreja cristã: movimentos sociais perseveram diante de perseguição. Pode-se prender um homem, mas não uma ideia. 

Retornando aos argumentos que usa no início deste debate, o autor acusa o executivo de ingenuidade ao pensar que as pessoas são governadas pela razão. Por serem governadas por suas emoções é que as relações entre patrões e empregados só poderiam ganhar uma direção adequada se a religião voltasse a desempenhar seu devido papel.

Aqui cabe uma nota a parte. Palavras desse tipo podem soar hoje como clichês poéticos; ainda, algum leitor de nossos tempos pode desconfiadamente dizer que ele estaria colocando tais ideias ali para fazer política. Sobre essas possibilidades nada afirmo. Mas me chama atenção de que isso passava na cabeça de um empreendedor norte-americano no início dos anos 20. Reducionismo de tarefas e tarefas executadas repetidamente eram o combustível da indústria típica daquela época. Críticas sobre mecanização do homem ou suas necessidades sociais ainda eram, se não abafadas, muito incipientes. O famoso movimento das relações humanas – que alavancaria aplicações da psicologia no campo organizacional e traria à tona as relações entre necessidades sociais e produtividade no trabalho – seria inaugurado uma década mais tarde. Outras abordagens que dariam centralidade à figura do ser humano, suas necessidades e motivações no ambiente fabril ganhariam consistência somente nos anos que se seguiram à segunda guerra. 

O capítulo quatro desenvolve mais profundamente algumas ideias sobre relações de trabalho apresentadas anteriormente, mas coloca mais luzes na questão do empregador. Em primeiro lugar, o autor deixa clara sua noção de que não é o trabalho em si algo rejeitável pelo ser humano. Para isso, ele traz o exemplo de pessoas que são bastante indiferentes com o trabalho, mas saindo dali se esforçam vigorosamente numa partida de baseball debaixo do sol escaldante e sem qualquer recompensa financeira. Pessoas amam seu trabalho desde que estejam realmente interessadas nele. Dentro desta perspectiva, intervenções como aumentos salariais ou redução de jornada de trabalho só possuem de fato algum valor se culminam em tornar as pessoas mais saudáveis, felizes e prósperas. Deste ponto em diante, a tríade saúde-felicidade-prosperidade passa a ficar mais frequente nos argumentos de Babson ao analisar os frutos de ações e posicionamentos que discute.

Na percepção do autor, o desejo de produzir é algo intrinsecamente religioso e não poderia ser forçado ou criado por qualquer meio artificial. Por outro lado, seria um erro interpretar que, ao fim do dia, o desejo dos empregados está em ocupar a posição do empregador. Não obstante, empregados assalariados das empresas teriam o desejo de serem consultados sobre suas condições de trabalho assim como sobre outros fatores que os afetam diretamente. Sua demanda central estaria em que as mudanças na gestão da fábrica passassem por eles ou por seus devidos representantes antes de serem institucionalizadas. Neste contexto, programas de distribuição de lucros que resultassem em maior produção e desenvolvimento de novas ideias seriam bem-vindos; mas eles não poderiam ser considerados um substituto do reconhecimento dos direitos e necessidades reais dos trabalhadores.

Roger Babson prossegue: nenhum pai olha para sua família como uma máquina de produzir. Ao contrário, ele vê os seus como seres humanos dotados de almas. Ao invés de querer ser sustentado pelos membros de sua família, ele deseja os ver saudáveis, felizes e prósperos. Isso, contudo, não vem eliminar os papeis da disciplina ou obediência das crianças. Babson entende que este nível de cuidado e consideração que temos com nossas crianças é exatamente o cuidado que se precisa ter com as crianças do vizinho ou com as famílias dos empregados. Tal caminho só poderia ser construído por meio de religião.

A conclusão de Babson neste ponto é a de que o problema das relações de trabalho é basicamente um problema religioso. Não se poderia encontrar nenhuma solução definitiva pelas mãos de advogados, comissões, organizações externas de qualquer natureza, etc. Soluções neste campo surgiriam tão somente quando um lado passar a entender melhor o outro.

No quinto capítulo o autor considera algumas das ideias já desenvolvidas, mas clama sua semelhança com alguns dos ensinamentos de Cristo. Por exemplo, a ordem de se amar o inimigo não seria entendida como um sacrifício ou tarefa pesada. A questão é que não haveria outra forma de vencê-lo e conquistá-lo. Revoluções políticas vem como resultado de opressão; guerras seriam reações de condições não naturais. Pânico ou entusiasmo excessivo na indústria seriam reações de condições financeiras ou de negócios anormais. Babson crê que condições futuras nos campos dos negócios são consequências das condições religiosas em determinado tempo. Jesus considerava que liderança e influência vêm do desempenho de serviço às outras pessoas. Assim, a religião seria ao mesmo tempo a âncora e o leme da prosperidade.

No capítulo seis Roger Babson se volta à importância de educar os filhos para que entendam a importância do servir, da iniciativa e da ação empreendedora como comportamentos manifestos da religião. Neste ponto ele narra uma história de dois garotos que teriam sido criados em lares cristãos. Um teria sido educado com forte ênfase na obediência, mas sem uma relação próxima e aberta com seus pais que o permitisse entender a razão daquilo que podia ou não fazer. O segundo teve uma educação mais voltada à prática do questionamento e do uso de seus dons para multiplicar o serviço e as oportunidades à sua volta.

Após se formarem e irem trabalhar numa mesma empresa, o desempenho de um foi muito diferente do outro. Uma pessoa da empresa teria dito ao pai do primeiro garoto que ali ele precisava fazer mais do que aquilo que era estritamente dado a ele para fazer. Para se desenvolver profissionalmente, era necessário fazer bem seu próprio trabalho, aprender o trabalho da pessoa à frente dele e ensinar a algum outro colega o seu próprio trabalho – habilidades que o segundo garoto, devido à preparação que havia tido em casa, tinha desenvolvido bem. Levando essas ideias mais adiante, Babson diz posteriormente que o trabalho duro e o bom serviço poderiam levar alguém muito longe em sua carreira, mas ainda não seriam suficientes para se estar à frente dos negócios. Para isso, ainda seria necessário desenvolver visão (ou previsão) de negócio, ver adiante e antecipar necessidades, influenciando outros a seu redor.

Na história desses garotos estariam embutidos os principais conselhos profissionais de Roger Babson. Para ele, a religião, ao estar associada às características que ele exalta na história do garoto de sucesso, seria a grande catalisadora do sucesso de outras pessoas. A falta dela conduziria ao fracasso. Ele entende que muitas das pessoas que buscam ajuda neste campo estão à procura de afeição, mas não querem conselhos diretos, mesmo que suas palavras assim o digam. Ele conclui o capítulo transcrevendo uma cartilha que teria sido distribuída a pais e professores das escolas de Buffalo naquela época, contendo 31 sugestões para eficiência em forma de provocativas questões. A aderência das questões a várias das ideias desenvolvidas ao longo do livro me leva a colocá-las aqui também na íntegra:

  1. Você gosta do seu trabalho?
  2. Você aprendeu a melhor forma de realizá-lo?
  3. Você se agrada da presença de crianças?
  4. Você gosta de arte, literatura e música?
  5. Suas maiores ambições incluem algum real serviço para a humanidade?
  6. Você trabalha mais duro do que os outros em seu ramo?
  7. Você planeja seu dia com antecedência?
  8. Você possui tato, é cortês e agradável?
  9. Você é otimista em qualquer circunstância?
  10. Você tem um objetivo fixo que esteja em linha com seu maior talento?
  11. Você sabe quais são suas maiores forças?
  12. Você acredita em seu próprio futuro?
  13. Você consegue perceber quais de seus hábitos, pensamentos ou emoções o fazem ser mais ineficiente?
  14. Você avalia sua eficiência pessoal?
  15. Você tem atraído bons conselheiros e associados?
  16. Você deseja bem a seus rivais e nunca fala mal deles?
  17. Você está em condições perfeitas de saúde?
  18. Você sabe como ficar melhor e manter-se melhor?
  19. Você já fez um inventário de seus traços mentais e morais?
  20. Você tem corrigido suas fraquezas conhecidas – mentais, morais, financeiras, sociais e espirituais?
  21. Você já descobriu que alimentos, banhos e exercícios melhoram sua energia e aumentam sua capacidade mental?
  22. Você respira fundo e segura em posição ereta?
  23. Você tem sono longo, ausente de sonhos e restaurador com quarto bem ventilado?
  24. Suas roupas são adequadamente folgadas para permitir funcionamento adequado de vasos sanguíneos e nervos?
  25. Você bebe três canecas de água diariamente?
  26. Você come devagar, de forma moderada e regularmente?
  27. Você usa sapatos confortáveis?
  28. Você consegue relaxar totalmente em seus momentos de lazer?
  29. Você é capaz de manter uma mente calma e livre de preconceitos?
  30. Você economiza dinheiro sistematicamente?
  31. Você tem amor suficiente em sua vida para se manter estável, disposto e útil?

religião e negócios

A fé é o tema do sétimo capítulo, a qual Babson considera o maior dos recursos, mas também o menos desenvolvido. O autor percebe que, após ter sido a igreja absorvida pelo Império Romano, ela teria ganho prosperidade material e força política, ao custo da perda de poder espiritual. Essa constante alternância entre perseguição e prosperidade marcaria a história da igreja cristã e a negligência do poder espiritual estaria então no centro das reais dificuldades percebidas da igreja à sua volta. As pessoas não estavam tendo da igreja o mesmo tipo de ajuda que vinham encontrando em outras instituições. 

Neste debate, a oração é colocada como a grande força. Para Babson, as orações da igreja vinham drenando do real poder que a religião poderia oferecer o mesmo que um pequeno brinquedo drenaria da central elétrica das cataratas do Niágara. A oração é a forma de se encher de poder espiritual e de exercer o papel de uma pessoa realmente determinada. Tal pessoa não teria seus pensamentos e destino ditados por hereditariedade, pelo ambiente externo ou qualquer outra variável. Essa pessoa possui força de vontade para definir seus pensamentos e planos ao ponto de estar preparada para provocar grandes mudanças e alcançar maior sucesso. Igrejas que oram mais e melhor seriam também as mais aptas a crescer. 

A relação da religião com a eficiência pessoal leva ao debate do capítulo oito, mas desta feita ele volta suas atenções aos feitos típicos da fé. O início do texto é dedicado à narrativa de curas e restaurações por meio da oração que teriam ocorrido naquela região e época e, algumas delas, presenciadas pelo próprio Roger Babson em uma igreja em Washington D.C. Tendo uma visão de que dons espirituais e intelectuais são ambos provindos de Deus, igualmente nobres e complementares entre si, o autor declara que o melhor dia seria aquele em que o cientista se valeria mais do cristianismo e que o cristianismo passasse a usar mais ciência. Nos tempos modernos, as pessoas estariam correndo fortemente na direção do que é material, de forma que mais fé e religião se fazem necessários, numa proporção maior do que estatística e ciência em geral.

Voltando-se às implicações da fé na trajetória da sociedade, Babson provoca ao dizer que os grandes artefatos modernos como fábricas, estradas de ferro, navios, jornais ou livros advinham da iniciativa empreendedora de somente dois por cento da população. A história também traria dados para concluir que o empreendimento europeu e norte-americano se deu a questões majoritariamente climáticas e religiosas. Aumentada a proporção de empreendedores, cientistas ou inventores na população, gerados e impulsionados pelos aspectos religiosos que Babson tinha em mente, estaríamos todos diante de um enorme salto de qualidade de vida na sociedade.

O autor cita também os avanços comportamentais e organizacionais que tudo isso proporcionaria, argumentos que usa para concluir também sobre as discussões anteriormente levantadas sobre relações de trabalho. Para ele, apesar de as formas organizacionais serem necessárias, as formas de trabalho cooperativo tenderiam a tomar o lugar dos sistemas de trabalho assalariado de então. Talvez não houvesse no futuro a necessidade de existir empregadores e empregados assalariados. O desenvolvimento da fé, da coragem, da ambição, diligência e da parcimônia estariam ao alcance de todos por meio da espiritualidade. Indústria, ciência, comércio, agricultura, invenções, artes e culturas seriam fortemente impactadas pela liberação deste poder criativo. 

Ele conclui o capítulo exemplificando como vinha buscando difundir esses valores ao responder cartas que recebia das pessoas. Algumas delas vinham com demandas de aconselhamento e ajuda. Babson era bastante ousado em suas respostas e, em algumas delas chega a propor textos prontos para que as pessoas usassem como orações para reconhecer suas próprias responsabilidades ao invés de pedir emprego ou orar por promoções profissionais. Lidas nos tempos de hoje, algumas destas respostas chegam a ganhar tonalidades cômicas, mas revelam, em última análise, a grande convicção que Roger Babson tinha em favor das ideias ali apresentadas. Ele se dispunha ao bom confrontamento para não ser simplesmente simpático ou político quando entendia que as atitudes das pessoas não estavam na direção correta.

No capítulo nove Babson traz algumas palavras sobre as denominações cristãs de seu contexto. Somente neste ponto ele finalmente se declara como um membro da Igreja Congregacional, braço do grupo protestante. Contudo, ele parece dar pouca importância à questão – teria ele nascido em família de outra denominação e provavelmente estaria associado a outra igreja. Todavia, ele reconhece que há questões boas e ruins em todas as religiões e igrejas. Mas afirma que o que é verdade é verdade e deveria haver sem dúvida credos e teologias mais próximos da verdade do que outros. Ressalta nesta questão que todas as igrejas cristãs estariam firmadas num conjunto de verdades fundamentais, mas que em nenhuma provavelmente estaria toda a verdade.

A diversidade denominacional não é uma grande preocupação para Roger Babson. Ao contrário, ele entende que essa diversidade é tão compreensível quanto necessária, comparando-a com a existência e demanda de diferentes vocações, profissões ou instituições para o equilíbrio da sociedade. Se haveria forma detectável de saber se uma igreja era mais certa do que as outras, ele recorre ao que chama de o “ácido teste de Cristo”: pelos frutos os conhecereis. Segundo ele, o homem de negócios está disposto a aplicar o mesmo teste. A melhor igreja é aquela que produz os melhores homens e mulheres, ou melhor, homens e mulheres comprometidos com o bem no mundo. A ideia de religião por religião é vista como algo perigoso: igrejas pouco valem caso não produzam mais do que satisfação estética ou gratificação emocional. 

Neste ponto, algumas palavras se voltam à questão da riqueza e da prosperidade material. Babson alerta que Jesus não teria objeções à riqueza em si, mas à dependência dela. Adicionalmente, ele se oporia fortemente a qualquer sistema que resultasse em gerar uns poucos milionários e jogasse o restante da população na pobreza. Contudo, quanto mais milionários, melhor, desde que as pessoas ali cheguem pela produção e pelo incremento do bem-estar de toda a comunidade. Para o autor, a prosperidade gravita em torno daqueles que se propõem a gerar o melhor serviço. 

Babson prossegue com os holofotes votados para os movimentos eclesiásticos e dedica todo o capítulo dez ao Interchurch Movement, uma tentativa de ajuntamento de esforços de várias denominações protestantes da época para as finalidades comuns da igreja em termos missionários. As intenções daqueles esforços eram merecedoras da maior admiração de Babson, mas o movimento, originado em 1918, seria desarticulado ainda jovem, poucos meses após a publicação do livro. Não obstante, o autor aproveita números levantados pelo movimento para fazer suas avaliações. Por exemplo, em termos do treinamento de líderes nas igrejas, Babson constata a insuficiência de pessoas a recursos para os desafios que via pela frente – e reforça que a integridade de negócios e a disponibilidade de grandes líderes dos anos seguintes era altamente dependente dos investimentos em educação cristã de então. Ele reforça estes e outros desafios ao longo do capítulo, sempre com uma visão de que a igreja se beneficiaria muito e beneficiaria muito a sociedade caso operasse em níveis de eficiência e profissionalismo de gestão típicos das grandes organizações. 

Em um texto repleto de menções à prosperidade material, sucesso nos negócios e iniciativa empreendedora, não se pode passar desapercebida uma tratativa que Babson dá à questão da propriedade. Para isso ele se baseia nos dois primeiros princípios do Interchurch Movement: (i) Deus é o nodo de todas as coisas; e (ii) Todo homem é um mordomo (ou, na preferência de algumas traduções mais modernas, um gestor) e precisa prestar contas de tudo aquilo que foi a ele confiado. Apesar de importante, a riqueza material seria apenas uma parte daquilo que Deus confia ao homem e aqui se somam a própria vida, corpo, mente e espírito. Babson considerava o materialismo uma grande ameaça à sociedade americana.

Ademais, problemas como moradia, inserção das mulheres na indústria, padrões mínimos de vida, trabalho no campo, relações raciais, trabalho infantil, liberdade de expressão, participação do trabalhador na gestão, sociedades cooperativas e imigração não poderiam mais ser ignoradas pela igreja. De fato, ao deixar suas posições de comando político em séculos anteriores, a igreja teria errado a dose. Tendo sido a articuladora das grandes instituições e empreendimentos sociais no passado, a igreja estaria abandonando seu posto de arquiteta e direcionadora da sociedade e se resignando às questões de uma visão muito restrita de seu real papel – e com impactos decrescentes em importantes questões de sua responsabilidade. 

Ele ousa ainda mais: em um tempo futuro, sonha com uma igreja que cessasse de construir santuários de pedra. Da mesma forma como teria anteriormente fomentado escolas e hospitais, fomentaria os trilhos de um novo sistema empresarial, novos contextos industriais, novas fazendas e novas cidades. A igreja não poderia se rebaixar ao patamar de ser uma das instituições da sociedade, mas deveria recuperar seu caráter original de criadora e não criatura das leis sociais. Ainda mais adiante ele reforça: não é que as igrejas devessem operar os jornais, os bancos ou os mercados, mas deveriam ser ativas no direcionamento de suas políticas.

As lacunas argumentadas, porém, são também fontes de oportunidade, tema do capítulo onze e que o autor inicia já na posição de um otimista. Ele entende que o declínio de religião numa sociedade próspera é como a ideia do “chute da escada”: estariam as famílias jogando abaixo a escada que as teriam levado até aquele patamar, passando a confiar mais nas riquezas alcançadas do que em Deus.

Poucos parágrafos adiante Babson resolve adentrar um pouco mais nas relações da religião com a política, tema que já vinha sendo dedilhado em trechos anteriores. Ele vê uma certa ameaça tanto em grupos aos quais denomina como “radicais” quanto nos “conservadores”. O problema estaria no fato de tais grupos serem fortes opositores, mas ambos egoístas e muito ativos. Em relação ao socialismo, Babson ressalta haver muitos socialistas honestos e conscientes, mas que para muitos outros seria mais uma forma de religião e faz críticas duras aos pressupostos da doutrina. Dentre os destaques de suas críticas, o socialismo desviaria o foco da produção de riqueza para a divisão de riqueza; colocaria classes contra classes enquanto soluções sustentáveis adviriam apenas pelo caminho da cooperação; colocaria a atenção das pessoas nos sintomas ao invés de se voltar às causas dos problemas; seria cristão na sua concepção, mas pagão na sua operação; e falaria muito acerca dos direitos das pessoas, deixando de lado seus deveres e responsabilidades. Para Roger Babson, o socialismo era como uma grande estrutura desprovida de uma usina de energia. 

Ainda sob a sombra das implicações da revolução russa, Roger Babson não poupava críticas a várias das ideias fundamentais da cartilha socialista-comunista. Ele afirma que a prosperidade real só pode existir em um sistema que protege tanto a propriedade quanto a oportunidade, sob um sistema em que as maiores recompensas escoem para quem preste os melhores serviços.

Nem por isso, e uma vez mais, Babson se acolhe no polo oposto para exaltar suas potencialidades. Ao contrário, ele argumenta que o sistema então presente não era de fato criado para a produção de bens, mas apenas para assegurar lucros. Ele critica o também o sistema de heranças por ser gerador de desperdícios e de uso ineficiente de propriedade por uma classe desprovida de visão, muito embora também não veja na administração das heranças pelo estado nenhum potencial para melhor solução. O sistema de produção-para-lucros seria decadente e falho e deveria ser substituído por um sistema de produção-para-serviço. 

Proteção então seria um erro comum a socialistas e capitalistas. A solução para os problemas neste campo jamais estaria em proteção, mas em produção; nunca por meio do medo, mas pela fé; nunca por estabelecimentos, mas pela mobilização; não por legislação, mas por religião. E conclui: qualquer gasto que não seja para nutrir o espírito e o processo criativos não é somente um desperdício de recursos, mas de vida. Babson via as nações sendo organizadas em torno de luta pela justiça e igualdade de oportunidades, mas nunca uma nação teria tentado se organizar para orar e servir.

Chegamos ao capítulo doze e, dentro de sua ênfase na prestação do melhor serviço, Babson volta suas atenções para os clientes. Segundo ele, o lucro ou mesmo os salários são simplesmente uma reação natural ao valor que o trabalho realizado representa para as outras pessoas enquanto clientes. Ao ignorar os clientes, estaríamos, na verdade, ignorando o próximo e a nós mesmos.

Vale aqui comentar que, apesar de em nossos tempos atuais a centralidade do cliente ser algo muito recorrente e até mesmo um certo clichê nas abordagens gerenciais, a questão não era nem de longe tão óbvia assim nos tempos de Babson. Num contexto em que a demanda por produtos industrializados ainda seria por muitas décadas maior do que a sua oferta e em que as técnicas de aumento da capacidade produtiva bruta – muitas vezes com pouca atenção específica a aspectos próprios da qualidade do produto ou processo – ainda ditavam o sucesso das grandes empresas, um discurso sobre valor agregado e sobre a importância do cliente não era parte do mantra. A própria administração de empresas enquanto campo próprio de conhecimento ainda era bastante jovem. A centralidade no cliente em termos de suas necessidades e percepção de valor só se tornaria de fato evidente no pensamento acadêmico-empresarial da qualidade após os grandes eventos econômicos da década de 1970.

Realizando uma série de interessantes analogias entre desenvolvimentos tecnológicos de indústrias em diferentes setores e utilizando-se das possibilidades dos conceitos de escala e padronização, Babson prossegue neste capítulo arriscando-se em algumas previsões para a indústria e a sociedade. Algumas são particularmente interessantes, como a possibilidade de que roupas pudessem se tornar tão baratas quanto impressão em papel; abolição de ervas daninhas por meio do trabalho preventivo e cooperativo de semeadores; geração de eletricidade a partir das variações da maré; avanço significativo no estudo e controle das mudanças climáticas; otimização da distribuição de alimentos pela realimentação contínua de informações dos consumidores e realização de compras programadas; desenvolvimento de lâmpadas frias; desenvolvimento de uma língua universal de base fonética e que acelerasse a viabilização de máquinas que convertessem a voz em texto escrito; ou o cultivo de bactérias benéficas e que permitissem o desenvolvimento de capacidades humanas superiores.

Certas ou erradas, as previsões sugeridas advêm de um espírito intensamente observador, sedento pelas oportunidades, atento aos desperdícios em sua volta e otimista quanto às possibilidades. Contudo, o autor entende que as grandes transformações – e que ele crê serem viabilizadas e direcionadas pelo desenvolvimento da religião – são realizáveis somente por ação mobilizada. Um esforço organizado realizado por um corpo reduzido de pessoas poderia superar a inércia de muitos. No campo social, Roger Babson vê possibilidades de que a religião impulsione a abolição de vícios em drogas e promiscuidade, avance nas melhorias de condições de trabalho a mulheres ao mesmo tempo em que garanta suporte em períodos pré e pós-natal e a garantia de seguros de saúde para os trabalhadores.

Tendo apresentado as grandes possibilidades que via na melhoria das condições de vida das pessoas por meio do desenvolvimento da religião, no capítulo treze Babson reflete mais sobre qual é a estrutura e subsídio com que as igrejas realmente contavam para protagonizar essas transformações. O autor questiona não somente as condições financeiras e engajamento das pessoas em financiar a expansão da atividade religiosa, mas também seu engajamento na fé. Um problema que ele enfatiza nas escolas dominicais – o que seria o grande instrumento de formação cidadã disponível – é que as pessoas tentam ensinar sobre aquilo que não acreditavam de fato.

A evasão de jovens das igrejas após entrarem nas universidades – algo já alarmante para Babson naqueles tempos – tinha uma explicação simples: a religião “que fica” é somente aquela que realmente funciona. Ele também responde de maneira categórica à afirmação simples de que a melhoria da sociedade vem da intensificação da educação. Babson afirma que diplomas não fazem homens e mulheres serem pessoas de sucesso. Isso seria muito mais uma questão de caráter, de se ter o ponto de vista adequado sobre a realidade. Para Roger Babson, no entanto, as igrejas vinham se contentando em apelar para o sentimento e simpatia das pessoas ao invés de se voltarem para a razão e o bom senso. Sem dar muitos detalhes de como isso poderia funcionar, o autor defende que justiça e caráter fossem subsidiados ou taxados em lógica semelhante ao subsídio ou taxação de mercadorias. 

Ao final do capítulo, e retomando novamente números que detinha sobre o movimento das igrejas nos Estados Unidos, ele reafirma que, estivessem os cristãos realmente compromissados com seus dízimos e ofertas, avanços muito mais significativos seriam vistos em educação, legislação e consciência pública. O mundo percebe facilmente o compromisso real que as pessoas têm com suas posições e não leva a sério quem não se sacrifica de verdade pelo que diz acreditar. Mais à frente ele pondera ainda que uma das razões pelas quais as igrejas não recebiam os recursos era por não estarem adequadamente organizadas para utilizá-los.

Vamos chegando ao final do livro e no capítulo quatorze Babson continua a refletir sobre os desafios enfrentados pela igreja para cumprir suas nobres missões. Apesar de ser um defensor de ideias associadas à prosperidade, ele reafirma aqui que a prosperidade em si mesma não tem valor. Vida, liberdade ou propriedades não têm valor se comparadas às nossas almas. Ele considera que o materialismo é como uma pedra amarrada no pescoço da democracia. Esse materialismo não inclui somente a devoção à propriedade, mas aos prazeres, ao poder e à vontade de se livrar das responsabilidades. O materialismo não escolhe classes e está presente em ricos e pobres, em empregadores e em empregados.

O autor reforça que, na medida em que a igreja age para proteger interesses terceiros, seja nos campos político, da educação ou financeiro, problemas surgem. Uma triste questão em sua visão seria a de o norte-americano tender a colocar sua visão política à frente de sua religião, sejam eles republicanos ou democratas. Aqui ele retoma seu discurso sobre a importância de se observar os frutos gerados diante de simples discursos e conclama banqueiros, advogados, médicos, professores, arquitetos e outros cristãos para a geração destes resultados. Especialmente em tempos de estresse, ele diz, as pessoas tendem a se tornar mais susceptíveis a radicalismos e extremismos e isso gera aflição naqueles que procuram conscientemente buscar o que é justo e certo.

No capítulo de conclusão, Roger Babson finaliza suas ideias quanto a essas questões políticas. Ele alega que a dificuldade central do socialismo é que ele precisa de religião para funcionar; já o capitalismo vinha desenvolvendo o sentimento egoísta e, portanto, antirreligioso, sobre o qual se apoiariam a indústria moderna e o comércio. Ele não é contra o capital, que se distingue de capitalismo. O capital é um instrumento necessário enquanto o capitalismo se volta à forma como o capital é utilizado e ao apreço pela sua contínua acumulação. Babson entende que apenas a religião pode impulsionar as pessoas na direção do máximo servir frente a recompensas materiais simples. 

religião e negócios

Reflexões finais

Quando iniciei a rabiscar com o lápis no livro aquelas ideias que me pareciam propícias para uma síntese, não imaginei que seriam muitas. Talvez o melhor mesmo seja alguém agora fazer uma síntese da síntese. Minha leitura a partir do pouco que pude estudar da história de Roger Babson e deste livro que me permitiu mergulhar um pouco nas ideias que tinha há 100 anos, é de que ele era uma pessoa de raro equilíbrio e de visão muito avançada para sua época. Quando parecia desequilibrar nas palavras ou extrapolar em suas visões de futuro era devido a uma tremenda ousadia e enorme ansiedade de ver as pessoas e a sociedade alcançarem logo patamares superiores de espiritualidade e bem-estar. Babson parecia crer indubitavelmente que estes patamares eram perfeitamente possíveis, religadas estivessem as pessoas a Deus. 

Babson iniciou o livro dizendo não ter encontrado palavra melhor do que “religião” para expressar as ideias que queria apresentar, ainda que não estivesse plenamente satisfeito com o resultado. Confesso que, ao longo de meu esforço de síntese, me senti tentado a evitar a palavra e/ou a modificar na boa intenção de trazer algo menos rotulado para uma leitura feita nos dias de hoje. Percebi logo que não tinha esse direito. Estava no título e o autor já tinha dito que decidiu manter. No fim, pensei: sábia decisão a dele. A etimologia é essa: religar. Religar o homem à Deus. O significado é amplo, nobre, forte, completo. Qualquer adjetivação iria piorar: religião com propósito? Ética religiosa? Religião revigorada? Boa religião? Babson parecia preferir as linhas de raciocínio mais simples. Substitua a palavra religião por religação com Deus e a maior parte dos entraves some do texto.

Sobre isso, também é bom notar o cuidado no título: Religião e Negócios – não é o contrário. É o segundo que presta contas ao primeiro. E é o primeiro que gera, norteia e dá significado e propósito ao segundo. A religião de Roger Babson não era o empreendedorismo. Seu espírito empreendedor é que advinha de sua religião. O poder transformador da sociedade que hoje é frequentemente atribuído ao empreendedorismo na verdade por ele passa enquanto ferramenta, mas vem de uma inspiração e propósito muito mais elevados. Submeter-se à criação ao invés de ao criador sempre foi e sempre será idolatria. 

Roger Babson faleceu em 1967 com 91 anos. Escreveu, portanto, Religion and Business exatamente no meio de sua vida. Mas creio que, estivesse ele lúcido aqui hoje, certamente se entristeceria com a atualidade de vários trechos de seu texto centenário. Além disso, se assustaria diante da permanência insistente de conflitos e problemas para os quais propunha caminhos de maneira tão convicta.

Por fim, as analogias que ele faz como a da fé com a geração de energia elétrica ou as críticas que tinha a quem herdava fortuna e poder sem ser moldado pelo desafio de sua construção ainda parecem ser muito úteis à sociedade contemporânea. Qualquer instituição que seja desligada de sua real fonte de inspiração, força e capacidade transformadora, ainda por um certo tempo subsiste com aparente esplendor.


Referências

1 BABSON, R. W. Religion and business.  New York: The Macmillan company, 1920. 

2 BABSON COLLEGE. Biography of Roger Babson. Babson Centennial. 2019 Disponível em: < https://www.babson.edu/about/news-events/babson-centennial/babsons-history/biography-of-roger-babson/ >.Acesso em: 12 Dez. 2019.

3 CASTELLS, M.; HALL, P. Technopoles of the world: The making of 21st century industrial complexes.   Routledge, 1994.  ISBN 1317858174.  


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